São tantos os vaivéns e tão grande a quantidade de dissimulações com as quais a presidente Dilma Rousseff precisa lidar ao mesmo tempo, que ela não está mais conseguindo manter as aparências. Os fatos não correspondem aos atos, as palavras não guardam relação com as evidências, as perguntas vão para um lado, as respostas caminham no sentido oposto – isso quando fazem algum sentido. Cai em contradição a ponto de desmentir a si mais de uma vez na mesma conversa.
Foi o que aconteceu na entrevista ao Estado, nesta segunda-feira, em que admitiu o que até então negava a respeito da Petrobras. “Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, posso garantir que as sangrias estão estancadas”, disse ela a propósito da existência (ou não) de um esquema de desvio de recursos para beneficiar empreiteiras, funcionários, partidos e políticos. Até então vinha tratando as revelações feitas na imprensa sobre os depoimentos no acordo de delação premiada do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa como informações às quais não poderia dar crédito por não terem chancela oficial.
Diante da insistência dos jornalistas, recuou para o condicional “se” e em seguida fez duas afirmações em que se contradisse. A primeira: “tudo indica que houve”. A que “tudo” se referia a presidente? Ao que saiu publicado no fim de semana ou a informações de que dispunha sobre acontecimentos a respeito dos quais ela afirmara não ter tido a “menor ideia” de que ocorriam na companhia?
A segunda afirmação: “Posso garantir que as sangrias estão estancadas”. Ora, se a presidente Dilma Rousseff diz que nunca ouvira falar de que nada irregular acontecia na Petrobras, como pode assegurar que as tais sangraduras (depreende-se, de dinheiro público) estejam estancadas? Se houve o saneamento foi porque ela cumpriu a contento a sua obrigação de zelar pela probidade. Mas aí, para ter tomado essa providência, terá necessariamente de ter tido o conhecimento que nega. E sonegou esse dado à nação.
Mais adiante, quando os entrevistadores voltaram ao assunto para lembrar-lhe o que ela havia dito momentos antes, Dilma negou de maneira peremptória: “Eu não disse isso. Por favor, sou presidenta da República. Não posso fazer uma coisa dessas. Baseado em informações da imprensa não posso condenar ou perdoar ninguém”.
De fato. Mas não se trata de perdão nem de condenação. O que a presidente disse está gravado e registrado. Pode não ter tido a intenção de dizer. No entanto, disse.
O problema de certas narrativas é a necessidade de adaptá-las aos fatos quando eles começam a criar pernas, se desconectam das falas e os dois desobedientes saem por aí produzindo atos falhos.
Tem jeito. Caso o acordo de delação premiada de Paulo Roberto Costa venha a ser (se já não foi) homologado pelo Supremo Tribunal Federal, tenha consequência e resulte em processo, terá feito o caminho contrário ao do mensalão. Naquele, o esquema foi desvendado por uma comissão de inquérito do Congresso a partir da denúncia de Roberto Jefferson. O material da CPI sustentou os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público.
Nesse aqui o Congresso não apenas não contribuiu como interditou as investigações, que se iniciaram com uma operação da PF e agora dependem das informações do delator para a polícia e os procuradores a fim de se descobrir como funcionava e quem se beneficiou do esquema. Só então poderá ser oferecida a denúncia ao STF. Isso para dizer o seguinte: o Congresso nem sempre se prestou a qualquer tipo de papel. Mesmo os mais baixos. Já foi melhor do que é. Portanto, a depender do padrão do Poder inegavelmente mais forte, pode voltar a ser.
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