sábado, janeiro 26, 2013

O fiasco econômico do realismo abstrato - KOLF KUNTZ


O ESTADO DE S. PAULO - 26/01
Sem uma história de sucesso para contar em Davos, brasileiros preferem ficar em casa...

Davos - A economia global continua um cenário ideal para quem curte as emoções da incerteza e do perigo iminente. Talvez por isso poucos empresários brasileiros e altos funcionários federais tenham aparecido em Davos, onde se reuniram meia centena de chefes de Estado e de governo e mais de 2 mil banqueiros, ministros, acadêmicos e figuras do mundo dos negócios. No Brasil, a maior parte do empresariado já tem emoções mais que suficientes. Quanto aos governantes, podem dispensar as discussões e conversas do Fórum Econômico Mundial. Para eles, o ambiente hostil do mercado internacional é mais que um dado indiscutível. É um pressuposto útil, porque serve para explicar os infortúnios, embora a economia seja muito fechada. Davos retribui a esnobação e concentra o foco nas economias avançadas ainda em apuros e naquelas emergentes governadas por equipes mais humildes e mais afeitas ao receituário prosaico. Curiosamente, esses países têm crescido muito mais que o Brasil.embora mais expostos à crise global, e exibem taxas de inflação menores.

A valorização cambial afetou vários desses países, em 2012, enquanto o real se depreciou. Apesar disso, muitos apresentaram contas correntes superavitárias ou com déficits proporcionalmente menores que o brasileiro - 2,8% do produto interno bruto (PIB). Seu crescimento econômico foi geralmente maior que o do Brasil ou, nos piores casos, muito parecido. Alguns exemplos: República Checa, Hungria, Rússia, Malásia, Cingapura, Coréia do Sul, Tailândia, México e Israel.

Governantes e empresários desses países poderiam ter feito um barulhão contra a guerra cambial denunciada pelos brasileiros e agora intensificada pelo Banco do Japão. As autoridades japonesas poderiam refutar a acusação, como têm feito as americanas e européias. Poderiam justificar a expansão da moeda (um tsunami, segundo a presidente Dilma Rousseff) como um esforço para reanimar a economia. Mas a explicação seria inútil, porque os líderes brasilienses continuariam gritando. As autoridades daqueles outros emergentes talvez tenham julgado mais prático deixar de lado a retórica defensiva e cuidar de tarefas mais humildes e mais cansativas. Nesses países, a maior parte das taxas de inflação ficou entre 1,8% (Israel) e 5,1% (Rússia). O caso da Hungria (5,7%) seria provavelmente descritível como o famigerado "ponto fora da curva".

Déficits em contas correntes, ensinavam os velhos manuais, têm como contrapartida o ingresso de financiamentos necessários à aceleração da economia. Casos como o da China, com superávit igual a 2,7% do PIB e crescimento econômico estimado em 7,7%, eram em geral negligenciados, por serem muito raros ou facilmente explicáveis por um taxa de poupança muito alta. Muito mais interessante seria dedicar um capítulo à estranha combinação brasileira de conta corrente deficitária, investimento inferior a 20% do PIB (somados recursos internos e externos) e crescimento econômico de 2,7% em 2011 e cerca de 1% em 2012. Seria preciso, naturalmente, confrontar o tempo de construção de um estrada no Brasil e na maior pane dos outros emergentes, assim como os custos da obra e a eficiência da gestão pública.

Manuais de economia seriam mais interessantes, teoricamente instrutivos e praticamente úteis, se mais espaço fosse dedicado a assuntos típicos do noticiário policial e dos inquéritos sobre patologias administrativas. Autores estrangeiros são em geral pouco familiarizados com o caso brasileiro. Quanto aos nacionais, talvez considerem teoricamente irrelevantes os detalhes sórdidos da política e da administração. Com alguma caricatura e, certamente, com alguma injustiça, seria possível resumir o cenário em dois blocos:

1) Os herdeiros da tradição neoclássica tendem a escrever como se os mercados fossem altamente concorrenciais, a transmissão dos estímulos ocorresse como nas economias avançadas e com maior inclusão social, a captura das agências por interesses privados fosse exceção e o investimento, variável decisiva, fosse representável por uma taxa simples e límpida, sem a consideração de fatores como prazos, custo, qualidade e importância prática do projeto. O valor gasto numa ponte entre o nada e lugar nenhum, enxertado no Orçamento por um político malandro, é contado na taxa de investimento. É somado, portanto, averba aplicada numa estrada essencial para o escoamento da soja do Centro-Oeste ou da produção industrial. O erro seria desimportante, se obras como a da ponte inútil e superfaturada fossem excepcionais. Não são.

2) Os "heterodoxos" declaram-se muito diferentes dos neoclássicos, mas são muito mais parecidos do que admitem. Raramente se preocupam com a qualidade, o custo e a produtividade do investimento, embora se apresentem como mais realistas. Esse realismo se traduz, com freqüência, num compromisso vago com uma noção ainda mais vaga de "processo dialético". Como tendem a cuidar quase só das variáveis macroeconômicas (as microeconômicas foram inventadas para engenheiros, caminhoneiros e gerentes), supervalorizam os efeitos positivos do gasto público, da expansão monetária e da manipulação cambial. No Brasil, esses fatores têm produzido relaxamento fiscal, inflação, piora das contas externas e quase nenhum crescimento. Em seu estranho realismo, esses heterodoxos dão mais importância aos números do que aos fatos representados.

Sem uma história de sucesso para contar, autoridades e empresários brasileiros preferem ficar em casa e mandar a Davos uma representação minúscula. Outros, mesmo com resultados ruins, enfrentam a discussão e disputam as atenções. E outros, com desempenho invejável, continuam batendo ponto na cidade. Um pouco mais de promoção pode sempre ajudar, mesmo quando se trata de países altamente competitivos, como China, Coréia do Sul, Indonésia, Alemanha e Chile.


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