quinta-feira, junho 06, 2019

A Petrobras em suspenso - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 06/06

Está em jogo muito mais que a venda de uma rede de gasodutos. Se o STF disser não, o ajuste do país será mais penoso



O grupo que comprou a TAG queria fazer a assinatura da venda em Paris, mas a direção da Petrobras não quis. Como o brasileiro anda cansado dos fatos estranhos sobre a estatal de petróleo e lembra bem de uma festa em Paris, optou-se pela assinatura discreta no escritório da empresa. Decisão acertada, tanto que logo depois, quando parte dos US$ 8,6 bilhões estava internalizada pela Engie e pelo fundo canadense CDPQ, o ministro Edson Fachin suspendeu o negócio por liminar. Ontem o assunto foi discutido no Supremo, mas ficou inconcluso.

A direção da Petrobras dizia que ontem era o “Big Day", porque o que se decidir nesse julgamento definirá todo o programa para enfrentar a situação da empresa: muito endividada e com diversos ativos que não fazem parte do seu negócio central. A decisão mais lógica, claro, é vender ações, participações, negócios e abater a dívida. Mas o grande dia foi adiado. O julgamento terminou empatado, dois a dois, e continuará hoje. Os ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin acham que para vender, mesmo subsidiárias, é preciso autorização do Congresso e tem, necessariamente, que ser por licitação. Os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso discordam. Moraes considerou que essa exigência só existe quando é a venda da “empresa-mãe” e não das suas subsidiárias. Lewandowski disse que o risco seria fatiar tanto a ponto de enfraquecer a “empresa-mãe”, mas Moraes afirmou que se tal situação acontecesse seria uma patologia, que certamente seria impedida.

O ministro Barroso foi cristalino. A Constituição estabelece a obrigatoriedade de passar pelo Congresso quando se quer criar uma estatal, porque a intervenção do Estado no domínio econômico é a exceção. Portanto, não existe a mesma obrigação quando é o caso de alienar estes ativos, ressalvados os casos em que a Constituição estabelece, quando é necessário para a segurança nacional ou tem um relevante interesse coletivo.

— A Constituição não protege esse Estado agigantado. Ela quis a livre iniciativa e não o capitalismo de Estado. Não há lastro jurídico para a tese de que se é preciso passar pelo Congresso para criar, tem que passar também para vender — disse Barroso.

Esse paralelismo tinha sido defendido no voto do ministro Lewandowski, autor da liminar dada no ano passado. Com base nisso, o ministro Fachin decidiu suspender a venda da TAG. Pior é que depois de toda a sessão de ontem, e a decisão adiada para hoje, o ministro Dias Toffoli disse que o debate era apenas teórico, abstrato sobre como o governo pode se desfazer de seus ativos, e só depois será o julgamento do caso específico da TAG.

O grande problema no Brasil é a insegurança jurídica. A venda do gasoduto foi suspensa com o argumento de que não houve licitação. Na opinião da direção da Petrobras houve sim. Foram seguidos exatamente os trâmites negociados com o Tribunal de Contas da União no ano passado, de dar o máximo de transparência possível. O TCU havia criticado o processo de venda por carta-convite no governo Temer. A Petrobras então mudou o processo em conversa com os técnicos do TCU e chegou-se a um formato de venda. Primeiro é divulgado o que eles chamam de “teaser”, com comunicado ao mercado nas bolsas de valores, daqui e do exterior. Apareceram 87 interessados. Passou-se para a próxima fase, da oferta preliminar, em que ficaram 20 grupos. Por fim, três fizeram propostas definitivas e foi escolhida a de maior valor.

— É errado achar que há uma única forma de se fazer um certame competitivo. Há um procedimento sofisticado, com muitas etapas, que foi seguido no processo de alienação da TAG. O importante é que o processo de competição assegure um resultado vantajoso para o governo — disse o ministro Barroso.

O debate continua hoje. O que está em jogo é muito mais do que um gasoduto. A Petrobras foi atingida pela corrupção, pela má gestão, pelo inchaço dos custos, pelos investimentos errados e definidos politicamente, pelo endividamento excessivo. É uma excelente empresa, mas que precisa se ajustar. Tem para vender outros ativos, uma parte da BR Distribuidora, a Gaspetro, a Liquigás, que já está com o “teaser” na rua. Isso sem falar nas refinarias. Além de ajustar a Petrobras, é preciso ajustar o próprio país. Se o STF disser não, o processo será muito mais longo e penoso.


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