FOLHA DE SP - 23/07
Deficiências do SUS são graves demais para que governo e classe médica se percam numa disputa infrutífera como a atual
A vocação atávica dos governos petistas para dar mais atenção ao marketing que ao planejamento, de um lado, e o usual corporativismo da classe médica, de outro, conspiram para inviabilizar o que poderia ser uma iniciativa séria para tirar a saúde pública de sua precariedade crônica.
A carência de médicos é uma das graves deficiências do setor. O Brasil tem 1,8 profissional para cada mil habitantes. Não muito menos que os EUA (2,4 por mil), mas a distribuição é péssima: 22 Estados ficam abaixo da média nacional. Estima-se o deficit de profissionais, por aqui, em cerca de 54 mil.
O programa Mais Médicos, lançado às pressas pela presidente Dilma Rousseff como resposta aos protestos de junho, desatou um fluxo hemorrágico de críticas por parte das associações de classe.
A escalada de sintomas atingiu o clímax com o abandono das comissões oficiais por essas entidades e sua anunciada intenção de barrar o programa na Justiça. O prognóstico é deprimente: nenhum governo conseguirá reanimar o combalido SUS (Sistema Único de Saúde) por medida provisória e sem a cooperação dos líderes da profissão.
O Mais Médicos se apoia em dois pilares. O primeiro deles, que começaria a surtir efeito em 2021, iria acrescentar dois anos aos seis do curso de graduação em medicina. O chamado segundo ciclo, a iniciar-se em 2015, seria cumprido obrigatoriamente no SUS.
A reação a esse trecho do programa decorre de certo autoritarismo que o contaminou. Se faz sentido obter retribuição de quem se beneficia do ensino gratuito em universidades públicas, soa abusivo impor essa atuação ao aluno que custeia os próprios estudos, obrigando-o, ademais, a morar em determinada região contra sua vontade.
O outro pilar objetiva suprir as unidades básicas de saúde com profissionais até que a mão de obra do segundo ciclo se materialize. Trata-se do edital para médicos formados no Brasil e no exterior preencherem os postos vagos em 2.868 municípios, metade dos quais sem um único profissional.
As entidades da classe têm sua razão ao dizer que não basta o médico --ele precisa de instalações, auxiliares e medicamentos. Mesmo assim, é melhor ter o profissional presente, ainda que em condições precárias, do que não tê-lo.
Além disso, o governo diz que vai investir R$ 15 bilhões até 2014 para melhorar a infraestrutura de saúde, R$ 5,5 bilhões dos quais em verbas novas para construir 6.000 postos e reformar outros 11,8 mil.
São prioridades corretas para melhorar, no longo prazo, a saúde pública brasileira? É esse tipo de questão que governo e médicos deveriam discutir. O assunto requer amplo debate. Para tanto, Planalto e entidades de classe precisam abandonar a intransigência e chegar a um entendimento.
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