SÃO PAULO - Sabe criança quando ganha um brinquedo novo e faz questão de usá-lo em todas as ocasiões, incluindo aquelas em que fazê-lo é inadequado? Pois é, minha sensação é a de que os procuradores estão agindo da mesma forma com as delações premiadas.
A introdução desse instituto foi fundamental para a desarticulação dos esquemas de corrupção enquistados no poder. Ao permitir que integrantes das quadrilhas negociem uma redução de pena em troca de informações e provas sobre atividades ilícitas, a legislação põe a matemática, mais especificamente a teoria dos jogos, a serviço do combate ao crime.
A própria ideia de negociação entre MP e acusados poderia ser mais bem explorada em nosso sistema. Se o réu admite culpa em troca de uma sentença mais branda, não há necessidade de levá-lo a julgamento, o que contribuiria para desafogar a Justiça. O Judiciário dos litigiosos norte-americanos só é viável porque de 90% a 95% dos casos são resolvidos nessas negociações (o "plea bargain") sem nem passar pelo juiz ou pelo júri.
É preciso, porém, que nos cerquemos de cuidados básicos, pois é fácil errar a mão nas negociações e passar tanto para criminosos como para a sociedade os incentivos errados. Salvo melhor juízo, é o que os procuradores fizeram ao acertar as delações e acordos de leniência envolvendo Odebrecht e, principalmente, a JBS.
Até para que os procuradores tenham referências para negociar, seria importante fixar alguns parâmetros, como o de que o benefício máximo concedido a delatores corresponda a, digamos, metade da pena mínima prevista para o crime principal. É preciso também limitar o acesso à delação a menos delinquentes e que ocupavam posições hierarquicamente inferiores. Por fim, é necessário cassar as vantagens de delatores que tenham mentido ou omitido fatos importantes. Sem isso, corremos o risco de o sistema estimular novos tipos de comportamento criminoso.
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