A beleza de uma jogada vem do uso inusitado da criatividade sob regras predeterminadas
Certos resultados da matemática têm a força de verdades absolutas, independentemente de qualquer interpretação ou contexto.
Quando afirmamos que 2+2=4 sabemos que isso sempre será correto, ao menos para entidades inteligentes capazes de contar. Saindo da aritmética para a álgebra, dada uma equação, por exemplo, x + 3 = 4, sabemos que só existe uma solução para x, x = 1.
O mesmo se dá com a geometria euclidiana, que aprendemos na escola. Armados de certos axiomas (asserções tomadas como verdadeiras que servem como ponto de partida para a elaboração de resultados), podemos provar uma série de resultados que são únicos.
Por exemplo, que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus ou que a circunferência de um círculo de raio R é 2piR.
Esse tipo de aplicação cristalina da razão traz uma profunda sensação de controle: dadas certas regras, sabemos construir resultados verdadeiros. A tentação de extrapolar a matemática como sinônimo de verdade torna-se enorme: se a natureza obedece a leis matemáticas, devemos poder entendê-la de forma absoluta. Mas será que podemos afirmar que a matemática é critério de verdade no mundo natural?
O poder da matemática vem da sua independência de contexto. Mesmo que os conceitos tenham sido derivados da necessidade de medir distâncias e intervalos de tempo ou de contar cabeças de gado e calcular o seu valor, uma vez criados podem ser usados em qualquer situação adequada: um triângulo é um triângulo aqui ou em Marte.
O exercício da matemática é um jogo que segue regras predeterminadas. A inovação vem da liberdade controlada propiciada pelas regras, aliada à criatividade humana. O mesmo ocorre num jogo de xadrez: as regras são rígidas, mas duas partidas jamais são iguais.
O mesmo ocorre no futebol. O que torna esportes empolgantes é a variabilidade que existe a partir das mesmas regras. Se jogos se repetissem, esportes perderiam a graça. A diversão vem da surpresa.
Na matemática e nos esportes, o novo vem de uma estrutura rígida. Ambos são expressão de uma criatividade controlada. A beleza numa jogada vem do uso inusitado dessa criatividade dentro dos padrões permitidos pelas regras. Gol de mão não vale, mas um gol de bicicleta bem no ângulo é sensacional.
Na matemática, pode-se inventar mundos estranhos, geometrias em mais de três dimensões e noções diferentes de infinito ou conceitos como pontos e linhas, objetos sem volume que determinam as propriedades do espaço.
Essas regras e abstrações são criações da mente humana, ferramentas que usamos para ordenar a realidade que percebemos.
Da mesma forma que um partida de futebol só pode ser jogada se as regras forem seguidas, as "verdades" da matemática só fazem sentido dentro da estrutura em que foram criadas. Como nós criamos estas estruturas, a matemática é criação nossa, do nosso jeito de pensar o mundo. Outras inteligências podem inventar a matemática delas, e dicionários podem ser criados traduzindo as "verdades" de cada um.
A diferença entre a matemática e a natureza é que esta segue apenas as suas regras.
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