O GLOBO - 10/03
Por que choram os venezuelanos que choraram nos últimos dias? Hugo Chávez era de fato amado por uma parte da população. As suas políticas sociais foram erráticas mas produziram efeitos quantificáveis. As escolas bolivarianas com tempo integral viraram um programa restrito, já as pensões se espalharam. As misiones usam 25% do gasto social, mas têm falhas administrativas graves.
Choram porque foram beneficiados por alguns dos vários programas sociais criados e se sentiram parte do país nos discursos e na maneira de governar do presidente morto. Nos programas sociais houve falhas; no discurso, o velho populismo. Mas Chávez fez o que outros governantes da Venezuela não fizeram.
O histórico dos seus programas sociais é tão tumultuado quanto era a sua forma de governar. As misiones permaneceram, mas algumas com mais eficácia que outras. São mais de 40 misiones : programas sociais para atacar um específico problema. A Mercal leva alimentação de baixo custo aos mais pobres; Barrio Adentro tem a função de melhorar a oferta de saúde aos mais pobres; as misiones educativas , aumentar a matrícula escolar e qualidade das escolas. Elas foram criadas à margem da estrutura administrativa de governo, o que provocou duplicação do esforço, desperdícios. A Vivienda urbanizou áreas pobres, mas construiu muito menos do que se propôs.
Todos os programas continuam dependentes de fatores externos, como as receitas do petróleo, e por isso nos 14 anos de governo houve oscilação dos gastos com esses programas. A Barrio Adentro depende ainda dos médicos cubanos. Um estudioso da ação social de Hugo Chávez, o pesquisador Carlos Aponte Blank, acha que o maior defeito dos programas foram as prioridades cambiantes e a falta de sustentabilidade.
Houve fases. Na primeira, de 1998 a 2003, uma das estrelas era a escuela bolivariana de horário integral. A meta era universalizar esse formato, mas o programa estagnou. Foi criado o programa Plan Bolívar 2000, para atender às emergências sociais. Houve corrupção e o programa foi abandonado. E assim, vários outros. A polarização política na Venezuela impede que setores contrários a Chávez reconheçam os avanços; já o chavismo utiliza os programas de forma demagógica. O ideal seria ter políticas sustentáveis e a cultura do direito do cidadão.
O aumento dos beneficiários de pensões para pessoas com mais de 60 anos foi constante nos 14 anos. Em 1998, havia apenas 16% da população com direito ao benefício. Pulou para 27% em 2004, 40% em 2007, e 43,3% em 2009, e nos últimos anos deve ter chegado a 50%. A redução da pobreza só aconteceu após 2004. Quando ele assumiu, 50% dos venezuelanos estavam abaixo da linha da pobreza, em 2004 o número havia piorado para 53%, em 2007 caiu para 33%, e em 2011 foi a 31,9%. As maiores quedas da mortalidade infantil e do analfabetismo foram nos anos recentes.
"A melhora de boa parte dos indicadores aconteceu entre 2004 e 2007, fase em que é maior a bonanza petroleira e em que também são maiores os gastos sociais", diz Carlos Aponte Blank. O gasto social por habitante voltou a subir nos últimos dois anos por causa da eleição.
O grande mérito de Chávez foi tentar reduzir o histórico abandono da população pobre da Venezuela, mas as políticas sociais não têm sustentabilidade fiscal, nem se consolidaram como uma política de Estado. São ainda o velho assistencialismo paternalista.
O choro coletivo em Caracas traz a marca de uma região que ou excluiu os pobres ou os atendeu com políticas apresentadas como bondades de um "pai dos pobres". Esse pêndulo entre exclusão é manipulação é o maior erro histórico da América Latina.
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