A desoneração da cesta básica, anunciada pela presidente Dilma no início da noite de sexta-feira, mostra duas coisas: (1) que o governo vem sendo seguidamente surpreendido pela força da inflação, porque faz o diagnóstico errado; e (2) que continua pouco disposto a usar os mecanismos mais eficazes para combatê-la.
A desoneração não deveria ser adotada agora. A idéia era anunciá-la apenas no Dia do Trabalho, 1º de maio. Foi a iminência do estouro do teto da meta de inflação (acima de 6,5% ao ano) já em março que levou o governo a precipitar a decisão.
Até agora, as autoridades vinham fazendo pouco caso do rali dos preços. Em vez de focar as causas internas, preferiam responsabilizar choques externos de oferta, como a seca nos Estados Unidos em meados do ano passado, que puxou para cima as cotações das principais proteínas vegetais: soja e milho. Mas não conseguiam explicar por que o problema não atingia outras economias emergentes com a mesma contundência sentida por aqui.
O Banco Central, por exemplo, garantiu em seus documentos que a convergência da inflação para a meta, de 4,5% ao ano, poderia não sair nos próximos meses, mas já estava contratada. Com um pouco mais de paciência, chegaríamos lá. E era também esse o discurso do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Ainda na manhã de sexta-feira, logo depois da divulgação pelo IBGE dos dados ruins do IPCA de fevereiro, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, retomou o blá-blá- blá de quem prefere desclassificar a realidade. Embora reconhecesse que a inflação veio "um pouco acima do esperado", insistiu em pintar um cenário despreocupante: "a expectativa é de que logo cairá gradualmente, principalmente quando começar a ser transmitida para os preços a queda recente das cotações das commodities". Ou seja, não é preciso fazer nada, a inflação recuaria espontaneamente. Não foi essa a leitura dos mesmos números feita pela presidente Dilma que em seguida mandou deflagrar o contra-ataque.
A isenção de impostos da cesta básica terá impacto imediato na queda do custo de vida, em proporção que ainda deverá ser melhor medida. Mas esta, decididamente, não é a melhor maneira de enfrentar o problema. Por três razões:
Primeira, porque é o tipo da providência que produzirá efeito apenas uma vez; nos meses seguintes, deixará de ser notado. Segunda, porque não ataca o problema principal, que é a demanda exacerbada, como o Banco Central já vinha avisando. Ao contrário, a eventual folga nos orçamentos domésticos proporcionada pela isenção de impostos deve aumentar o consumo, tanto de itens da cesta básica como dos que estão fora dela. E, terceira, porque deixa solta uma das principais pontas da inflação que é o setor de serviços.
São duas as melhores armas que poderiam combater a inflação com mais eficácia do que essa isenção de impostos. A primeira é maior rigor na administração das contas públicas. Uma boa derrubada nas despesas correntes do governo ajudaria a conter a demanda. A perda de arrecadação vai dificultar esse passo. A outra é a alta dos juros básicos (Selic), providência já admitida pelo Banco Central que, no entanto, pretende usá-la com parcimônia - para usar expressão que seus diretores adoram usar.
Cotação do dólar
Na sexta-feira, a cotação do dólar no câmbio interno fechou a R$ 1,95, dez centavos acima de R$ 1,85, nível que, no dia 7 de fevereiro, o ministro Mantega declarou inadmissível.
Cobertor curto
A fome de royalties provenientes da produção de petróleo e gás esbarra em sério limite: a incapacidade financeira da Petrobrás de participar maciçamente de todos os projetos de exploração do pré-sal, em 30% dos investimentos e na condição de operadora única. Ou muda a lei ou o volume de royalties não será do tamanho da fome dos políticos.
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