ZERO HORA - 08/09
Alguns poucos leitores às vezes me confundem com conselheira sentimental e me revelam seus conflitos internos, acreditando que eu possa apontar um caminho para que eles vivam melhor. Logo eu! Escrevo sobre assuntos que me interessam e, se servirem para alguém, é uma honra, mas não me sinto à vontade e nem tenho preparo para entrar na intimidade de cada leitor em particular já me atrapalho o suficiente comigo mesma.
Mas já que todos gostam de conselhos, eu inclusive, uma dica posso dar: leia o livro Pequenas Delicadezas, de Cheryl Strayed.
Já falei dessa autora antes. Foi ela que percorreu sozinha uma trilha nos Estados Unidos e narrou a experiência no aclamado Livre, que frequentou a lista dos best-sellers. Eu nem imaginava que ela escrevia uma coluna de aconselhamentos. Pois me tornei fã declarada dessa mulher.
Pequenas Delicadezas é uma seleção de perguntas e respostas publicadas no site The Rumpus, mas de forma alguma é literatura de bisbilhotice, aquela coisa de olhar pelo buraco da fechadura dos dramas alheios, o que tantas vezes revela-se piegas.
Cada carta gera um ensaio em que Cheryl conta experiências próprias para ilustrar seu pensamento sobre as questões levantadas. Esbanjando sensatez (coisa que não anda sobrando por aí), ela equaliza causas e efeitos com docilidade, mas sem abusar do bom mocismo e sem encontrar solução para tudo.
Ao contrário, ela reconhece que a vida é bem sacana às vezes. Nossos pais nem sempre foram uns anjos, nossa infância “feliz” pode ter sido uma farsa e a maneira como estamos narrando nossa história para nós mesmos pode estar cheia de ficções que já não conseguimos sustentar. Dá para mudar o passado? Não dá. A única coisa que dá para mudar é a maneira como enxergamos tudo o que nos aconteceu (e ainda acontece) e ver o que é possível perdoar, esquecer ou redimensionar.
É comum considerar o escritor como uma espécie de guru – parece que ele é imune a problemas. Cheryl se atreve no papel e se dá como exemplo justamente porque sua vida não foi um passeio de carrossel.
Porém, ela encontrou suas ferramentas de superação – a própria coluna deve ser uma delas. Sem constrangimento e com absoluta empatia, envolve-se com a dor de quem lhe escreve, mesmo suspeitando que todos sabem direitinho o que devem fazer de suas vidas, só estão aguardando que alguém, mesmo um desconhecido, lhes dê uma espécie de licença. “Se é por falta de licença, sinta-se autorizado”, é o que ela parece dizer.
Pequenas Delicadezas não explora as churumelas do amor nem pretende ser um oráculo. Apenas confirma que viver não é fácil, mas é o que temos pra hoje.
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