GAZETA DO POVO - PR - 08/09
É possível uma coisa dessas? O jornalista Pimenta Neves matou covardemente a namorada com dois tiros nas costas há 13 anos, foi condenado a 15 anos de cadeia pela torpeza do crime, passou dez anos esgrimindo todos os recursos favorecidos pelas intricácias da lei penal brasileira e esquivando-se de cumprir a pena. Finalmente, em 2011, todos os recursos estavam esgotados e ele foi preso. Agora, pouco mais de dois anos depois, já vai receber o benefício de regime semiaberto, o que vale dizer que está livre para fazer o que quiser menos dormir fora da cadeia. Logo, logo, esse incômodo também será superado por algum advogado esperto e um juiz tolerante.
A vida humana está barata por essas bandas. Uma pessoa assassina outra, passa dois anos na cadeia et voilà, a vida continua. Os mecanismos de redução de pena são vários e generosos: para cada dia de estudo, tantos dias de redução, para cada livro lido, outros tantos. Bom comportamento, menos tantos por cento da pena, cozinhou ou lavou roupa enquanto preso, mais alguns dias ou meses de lambugem.
Nessa matemática perversa só há um perdedor: a vítima. Ou, quando esta tiver perdido o principal que é a vida, a sua família. A dor causada pela futilidade da perda, pela torpeza do assassinato, pela frieza com que o matador abateu uma pessoa querida deve ser uma das dores mais difíceis de superar na existência humana. Como devem se sentir os pais, os parentes e os amigos da namorada assassinada quando veem Pimenta Neves sair livre da cadeia para reencontrar a normalidade da vida cotidiana quando a vítima de sua crueldade e covardia se perdeu para sempre?
A Justiça brasileira é pródiga nesse tipo de leniência. Pimenta Neves, por ter tirado a vida de uma pessoa passou pouco tempo mais na cadeia do que Martha Steward, a musa da classe média norte-americana e que molda seu gosto e suas preferências estilísticas, a qual se aproveitou de algumas informações privilegiadas para ganhar uns dólares na Bolsa de Valores. Descoberta, curtiu quase dois anos de prisão.
No Brasil, a disparidade de tratamento é abissal. Por artes do raciocínio convoluto dos governantes brasileiros, foi instituída uma Comissão da Verdade para apurar as violações dos direitos humanos durante o período militar. Mas essa verdade é – a priori – parcial, uma meia-verdade, pois somente os atos de violência e de esbulho dos agentes públicos estão sendo (mal) investigados. Os atos de violência, os assassinatos, os roubos e as torturas praticados por membros dos grupos que se opuseram aos militares são considerados atos legítimos de resistência ao poder arbitrário do Estado e, consequentemente, passam ao largo de qualquer apuração. Vá se explicar essa interessante teoria aos pais, esposa e parentes dos soldadinhos e pequenos funcionários que foram assassinados por grupos de esquerda. Seus parentes sobrevivem com dificuldade enquanto seus assassinos se jactam de seus atos e se locupletam com indenizações e prebendas milionárias fornecidas pelo governo brasileiro.
Thomas Carlyle tinha razão quando dizia que a história é escrita pelos vencedores. Os que pareciam ter perdido a guerra pelo poder no Brasil durante os anos de chumbo foram, na verdade, vencedores. Viverão livres com polpudas indenizações e pensões vitalícias; fizeram como disse Millôr Fernandes, um investimento bem-sucedido e não um ato de heroica reação ao opressor.
Ao vencedor, as batatas, como doutrinava Quincas Borbas. Aos perdedores, a hipocrisia das atitudes oficiais.
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