sexta-feira, abril 19, 2013

Torcendo que não seja muçulmano - RASHEED ABOUALSAMH

O GLOBO - 19/04

Um jornalista brasileiro perguntou retoricamente no Twitter: ‘Virou crime agora nos EUA falar em árabe?’ ‘Virou sim’, eu respondi, ‘e faz muito tempo’


Quando ouvi na segunda-feira a noticia de duas explosões na maratona de Boston, a primeira coisa que pensei foi: “Tomara que não tenham sido feitas por um muçulmano ou saudita.” Essa minha reação, quase automática, vem ocorrendo desde os ataques terroristas de 11 de setembro, 2001, contra Nova York e o Pentágono, onde 11 dos 19 sequestradores de aviões americanos usados como armas fatais foram sauditas.

Como sempre, entrei no Twitter para ver se podia conseguir mais detalhes sobre as explosões e foi aí que vi a notícia divulgada pelo tabloide “New York Post” de que a polícia estava vigiando um suspeito, que era um homem saudita de 20 anos, com queimaduras graves, num hospital de Boston, e que eles estavam interrogando ele. Eu retuitei (@RasheedsWorld) essa noticia, adicionando um comentário “um suspeito saudita!” Muitos dos meus amigos no Twitter também tinham visto a notícia, e muitos deles postaram comentários de que nós devíamos levar qualquer coisa vinda do “Post” com extrema cautela. Afinal de contas esse tabloide é propriedade do Rupert Murdoch, o magnata australiano, dono de um império mediático que inclui a xenofóbica rede de televisão de direita Fox News, que construiu sua reputação e fama através do seu patriotismo quase fascista.

E de fato o “Post” também naquele mesmo dia estava anunciando que havia 12 mortos nas explosões de Boston, enquanto todas as outras agências de notícias estavam divulgando que somente duas a três pessoas tinham morrido. Isto, por si mesmo, deu um ar de loucura para a cobertura do tabloide. O jornal atribui sua informação sobre o suspeito saudita a uma fonte policial. Na primeira entrevista coletiva dada pelas autoridades em Boston, um chefe de polícia desmentiu que alguém tinha sido preso como suspeito no atentado, mas não negou categoricamente que pessoas estavam sendo interrogadas. E não levou muito tempo para outros jornais relatar a mesma notícia do suspeito saudita: primeiro o “Los Angeles Times”, depois o “Washington Post” e no dia seguinte o “New York Times”.

Muitos céticos não querem acreditar em noticias não confirmadas ou cruzadas e comparadas com várias outras fontes. Eles acham que tudo isso é somente fofoca e pura especulação. Muitas vezes é. Por isso eu tuitei, logo depois do meu primeiro tweet, dizendo que o saudita no hospital poderia muito bem, sim, ser um espectador inocente que ficou ferido. Varias pessoas na internet questionaram por que o saudita estava correndo na direção oposta das explosões, uma pergunta ridiculamente estúpida, já que onde já se viu alguém correr na direção de uma explosão?

De novo um saudita, somente por causa de sua nacionalidade, religião e talvez cor da pele, estava sendo suspeito de ser um terrorista nos Estados Unidos. Infelizmente, isso virou uma coisa de rotina nos EUA depois dos atentados de 11 de setembro. Como vem acontecendo muito nos últimos anos, um avião que partia de Boston para Chicago na segunda-feira voltou para o portão de embarque depois que vários passageiros se queixaram à tripulação que ouviram dois passageiros falarem em árabe. Como um jornalista brasileiro perguntou retoricamente no Twitter: “Virou crime agora nos EUA falar em árabe?” “Virou sim”, eu respondi, “e faz muito tempo”.

Na terça-feira veio a notícia que havia um segundo saudita ferido nas explosões de Boston: uma mulher, estudando na cidade, que estava assistindo a corrida com seu marido e filho. Ela estava internada num hospital local em estado grave depois de quase perder a perna, que um cirurgião, depois de muito trabalho, conseguiu salvar.

Boston e seus arredores são conhecidos por sua aglomeração de universidades, e por isso há cerca de mil estudantes sauditas fazendo faculdade na área. Além disso, a maratona de Boston, famosa por ser uma das mais importantes do mundo, atrai corredores do mundo todo, incluindo nessa edição três do Irã, e um cada de Arábia Saudita, Kwait e Catar.

Na segunda-feira o presidente americano Barack Obama disse em pronunciamento televisado que não sabiam quem era responsável pelos atentados, mas que o governo americano ia achar quem foi e puni-los. Ele não falou que era um ato terrorista, mas na terça-feira ele já admitiu que foram atentados terroristas, sim. E como não podiam ter sido, com a polícia dizendo que as bombas foram feitas em casa, usando panelas de pressão recheadas com pregos e rolamentos de esferas, claramente desenhadas para causar o máximo de danos. E dano eles fizeram, obliterando a maioria das vitimas nas pernas por causa do posicionamento das bombas, que estavam no chão quando explodiram.

O FBI está na liderança das investigações, e revistou o apartamento do jovem saudita depois que ele deu permissão para isso. A televisão mostrou agentes tirando sacos de coisas da casa dele, mas não encontrarem nada de anormal. Até agora ninguém se responsabilizou para os atentados, com grupos ligados à al-Qaeda no Paquistão e Afeganistão negando qualquer envolvimento. Não obstante isso, o repórter americano Eli Lake escreveu no site Daily Beast que pelo menos um iraquiano, especialista em fazer bombas improvisadas que mataram muitos soldados americanos no Iraque, conseguiu entrar nos EUA e está ensinando pessoas a fazer esse tipo de bombas.

Vários especialistas em terrorismo apontaram que os atentados podiam ser da autoria de grupos radicais da direita americana, especialmente por eles aconteceram no dia 15 de abril, o ultimo dia para americanos entregarem suas declarações de imposto de renda, e por ser perto do aniversário do ataque terrorista do extremista antiestado Timothy McVeigh no Oklahoma, em 1995, que matou 168 pessoas e deixou mais de 600 feridos.

Em todo caso, tomara que essas explosões não sejam da autoria de um grupo muçulmano. As relações entre o Ocidente e o mundo islâmico já estão bastante abalados depois dos atentados de 11 de setembro e as consequentes invasões americanas do Afeganistão e Iraque. Mais um ataque em solo americano vindo de muçulmanos seria uma catástrofe para essas relações já tão abaladas.

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