ZERO HORA - 19/04
Não é saudável para a democracia que, depois da rejeição ao debate sobre a reforma política, o governo federal tenha usado sua maioria parlamentar para aprovar uma medida eleitoreira em causa própria.
Uma semana depois de acabar com a possibilidade de uma ampla reforma política, a Câmara aprovou na noite da última quarta-feira projeto de lei que inibe a criação de novos partidos. Num país em que as siglas se multiplicam às dezenas, na maioria das vezes por conveniência escancarada e não por motivações programáticas, a decisão deveria ser saudada como salutar. Mais do que em qualquer outra época, a democracia brasileira precisa de um freio ao leilão de parlamentares por parte de novas legendas, que em muitos momentos se revelam de aluguel. A particularidade de a mudança ter sido orquestrada por partidos da base parlamentar de apoio ao governo, porém, às vésperas de um ano de campanha eleitoral, faz com que a decisão seja totalmente casuística e, por isso, inaceitável.
Não é a primeira vez que se consolida uma tentativa de mudar as regras do jogo praticamente durante a partida, e na história recente há uma série de exemplos nos quais alterações de última hora, convenientes para quem está no poder, não se limitaram ao plano das intenções. Felizmente, a mudança mais recente ainda precisará passar pelo Senado e a própria Câmara aprovou apenas o texto básico. Ainda há tempo, portanto, de conter os exageros. Um primeiro passo importante seria fazer com que, no exame dos destaques, previsto para a próxima semana, as novas regras tenham validade apenas a partir de 2015. Uma decisão desse tipo reduziria as margens para acusações de que, assim como está, o projeto atende mais aos interesses de quem está no poder e de sua base aliada.
Basicamente, a proposta estabelece que novos partidos sem deputados federais eleitos têm direito apenas à divisão das parcelas mínimas do fundo partidário e do tempo no rádio e na TV. E esses são pressupostos para o funcionamento financeiro e eleitoral das siglas. Sob essas regras, sairiam claramente prejudicados partidos em formação, como a Rede, de Marina Silva, que na disputa presidencial anterior contribuiu para levar a disputa para o segundo turno, e o Solidariedade, de Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical. Perdem também os partidos que optarem por fusões. E a maior beneficiada, obviamente, seria a presidente Dilma Rousseff, se concorrer à reeleição, ou o candidato que vier a contar com seu apoio, pois a pulverização de votos, no primeiro turno, seria menor.
Não é saudável para a democracia que, depois da rejeição ao debate sobre a reforma política, o governo federal tenha usado sua maioria parlamentar para aprovar uma medida eleitoreira em causa própria. Ainda bem que há tempo de o Legislativo, pelo menos, atenuar os excessos.
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