Para uma parte do mercado, o Copom foi certeiro, "um golpe de mestre", como disse um grande investidor. Para outra, não menos importante, foi "dovish", "conivente com a inflação", comentou um gestor de fundos. Nem sempre essas são visões desapaixonadas, ou isentas das "posições" assumidas pelos agentes. A opção é olhar os fatos que levaram o comitê a um aumento de 0,25 ponto percentual da taxa Selic.
O cenário internacional piorou nos últimos dias. As expectativas de melhora da atividade nos Estados Unidos foram frustradas, as economias centrais da zona do euro - França e Alemanha - estão se contaminando pela crise dos periféricos e a desaceleração da China é preocupante. Há estimativas de que o PIB potencial da China é de 6% e que a economia caminha para um crescimento dessa ordem.
Os preços das commodities estão em queda. Em reais, já baixaram cerca de 7% este ano e 15% em relação ao pico de preços de setembro de 2012. A crise externa, portanto, pode produzir efeitos desinflacionários no país. Há governos, pelo mundo, indicando ou optando por cortar juros, mesmo com a taxa de inflação acima da meta, casos da Rússia e da Turquia, para evitar uma recessão. A preocupação com os rumos do crescimento mundial, certa ou não, voltou ao radar do BC, conforme o comunicado do Copom.
Pode-se alegar que em outros países a inflação não é um problema tão grave como no Brasil. Há mesmo elementos inquietantes. A inflação medida pelo IPCA estaria, hoje, em 8,2%, e não em 6,59%, se fossem desconsiderados todos os incentivos dados pelo governo desde a redução do IPI dos automóveis, segundo cálculos de um grande banco. E, na área fiscal, o governo jogou a toalha.
Os compromissos com a geração de superávits primários relevantes, que sustentaram a decisão do BC de cortar a taxa Selic a partir de 2011, foram deixados de lado este ano. A expansão fiscal é frenética. Por outro lado, o desempenho da economia brasileira ainda é vacilante. Os dados indicam uma retomada lenta e moderada da atividade, pouco crescimento do investimento e inflação corrente mensal em queda.
Em janeiro, o BC começou a mudar sua comunicação, já preocupado com o curso da inflação. Enquanto importantes funcionários do governo defendiam que o Copom cortasse mais um ponto percentual na Selic este ano - que cairia, então, para 6,25% -, o BC avisou que não haveria mais queda. Nessa época, a taxa de juros real era de algo em torno de 1,1%. Em fevereiro, endureceu o verbo e começou a sinalizar aumento da Selic. Desde então, foi elevando o tom, mas associando a palavra "cautela". Os juros reais, medidos pela NTN-B de 2014, foram para cerca de 3,15%.
O ponto fora da curva foi na sexta feira, dia 12. Antes mesmo das manifestações oficiais, pela manhã os juros futuros começaram a subir num movimento atribuído a pesados fechamentos de posições. Quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou que o governo tomaria medidas impopulares, como a elevação de juros, para combater a inflação, a taxa já havia mudado de patamar.
Pouco tempo depois, o presidente do BC, Alexandre Tombini, saiu de um encontro fechado de presidentes de bancos centrais da América Latina, no Rio, e falou com os jornalistas que o aguardavam. Disse que o BC estava monitorando "atentamente" todos os indicadores. A essa altura se consolidava nas tesourarias dos bancos a aposta de aumento em abril e de 0,5 ponto percentual da Selic na reunião desta semana. O BC não desestimulou as apostas. A curva passou a projetar mais outras duas altas de 0,5 ponto percentual, o que elevaria a Selic para 8,75% ao ano.
A decisão confirmou a expectativa de aumento, mas em menor intensidade. Os votos do Copom foram divididos e o comunicado, longo e cauteloso, reorientou o mercado para um ciclo de aperto monetário menor no valor e na duração. Ontem, os juros futuros despencaram e a taxa real caiu para cerca 2,5%. O mercado, que trabalha com taxa neutra da ordem de 4%, diz que a política monetária é expansionista. Para o BC, que vê a taxa neutra na casa dos 2%, não é.
É importante avaliar como o renovado mau humor com o cenário externo - de baixa inflação nas economias centrais, um gigantesco afrouxamento monetário no Japão e crescimento medíocre do mundo - pode se transmitir para a economia brasileira. O principal canal é pelos preços das commodities e seus impactos na taxa de câmbio, além da conta de capital do balanço de pagamentos. Nesse aspecto, há diversas possibilidades. Se o ingresso de capitais no país aumentar, a taxa de câmbio se valoriza, com impacto desinflacionário. Mas as coisas não são tão simples. Há questões intangíveis, como a confiança, que vão determinar se a imensa liquidez externa respingará aqui.
Hoje considera-se o risco de uma desaceleração do investimento estrangeiro direto no país. Anualizado, os dados do primeiro bimestre indicam que o IED cairia para a casa dos US$ 45 bilhões a US$ 50 bilhões, em comparação com US$ 65 bilhões no ano passado. Se isso se confirmar, ele será insuficiente para cobrir o crescente déficit em conta corrente, levando o país a recorrer ao endividamento para fechar as contas externas, e pode afetar o câmbio.
Uma parcela significativa do mercado não gostou da decisão do Copom e acena com a piora das expectativas de inflação. As divergências entre o BC e o mercado prosseguem.
O único compromisso de Tombini com a inflação deste ano, manifestado em fevereiro, permanece: encerrar o exercício com uma variação do IPCA menor do que a do ano passado, que foi de 5,84%. E se há um orçamento de juros a ser praticado pelo BC para domar a inflação, ele não é estático.
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