O GLOBO - 19/04
O teatro musical, assim como a ópera, a opereta e o musical de cinema, é essencialmente uma linguagem artística absurda, em que os personagens vivem suas histórias no palco cantando e dançando. A partir dessa indispensável "suspensão da descrença", todas as fantasias e liberdades são permitidas para contar uma boa história com belas músicas, letras e danças. É a cara do Brasil.
Mas, durante muito tempo, poucos musicais de teatro eram encenados aqui, por absoluta falta de profissionais capazes de cantar, dançar e representar ao mesmo tempo, como exigiam os musicais americanos, como My Fair Lady. Por um bom tempo, só Bibi Ferreira e Marilia Pera, e alguns poucos, estavam qualificados para musicais. Depois, só uma Elba Ramalho aqui, uma Claudia Raia ali, e quase mais nada. Sucessos como A Ópera do Malandro eram exceção absoluta.
Com a explosão dos musicais, iniciada na virada do milênio com o sucesso de grandes espetáculos americanos em São Paulo e das montagens da dupla Charles Moeller e Claudio Botelho no Rio de Janeiro, o Brasil, como elenco e plateia, realiza sua vocação para reunir música, dança e teatro numa linguagem livre e fantasiosa - mas que exige grandes recursos de produção, alta precisão técnica e rigorosa performance profissional para funcionar. Parece uma metáfora do atual momento brasileiro.
Para se ter uma ideia da quantidade e qualidade da mão de obra especializada no mercado de musicais, nos testes para elenco da espetacular montagem brasileira de Hair mais de 4 mil candidatos se apresentaram, cantando, dançando e representando, o mínimo exigido para ir ao jogo. Mais de 50 eram de tão alto nível profissional, que qualquer um poderia fazer um dos papéis em disputa.
São teatros lotados, grandes produtoras investindo, milhares de novos empregos. E o que há alguns anos seria uma fantasia delirante digna de um musical vai se realizar com a montagem na Broadway do Orfeu carioca de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, dirigida pelos meninos de ouro Moeller e Botelho para uma grande produtora americana. Estamos exportando musicais para os que o inventaram.
Com esta coluna, me despeço dos leitores e editores do Estadão, depois de cinco anos de convivência semanal. Obrigado a todos.
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