GAZETA DO POVO - 19/04
Nossa Constituição exige a prévia realização de concurso público para o preenchimento de cargos e empregos públicos em todas as searas da estrutura administrativa. Diante de tal comando, periodicamente as ditas “estatais” publicam editais para preenchimento de cargos variados e, dentre eles, o de advogado. Na maior parte das vezes, no entanto, a quantidade de cargos ofertada é ínfima se comparada às reais necessidades da instituição. Infelizmente, há uma explicação.
Para aliviar o peso da contratação de empregados públicos submetidos à CLT, as estatais lançam mão de permissivo contido na Lei de Licitações, contratando mediante procedimento que a lei denomina “inexigibilidade de licitação” escritórios de advocacia para dar maior vazão às suas necessidades, a um custo menor. É por esse motivo que, quando alguém possui débito com um banco público, a pessoa que normalmente liga para cobrá-lo não é empregada do banco, mas um advogado associado a um dos vários escritórios de advocacia contratados pelas gigantes estatais do ramo financeiro.
Muito utilizada na prática das estatais (sobretudo no setor bancário), essa alternativa de substituição da nomeação de advogados concursados pela contratação de escritórios de advocacia traz consigo uma série de ilegalidades – mais que isso, de inconstitucionalidades: é ilegal a utilização da inexigibilidade de licitação para contratação de serviços advocatícios comuns, tais como o patrocínio de causas judiciais trabalhistas, execuções de título extrajudicial etc.; é inconstitucional, por implicar burla à exigência de concurso público, a substituição – pois é disso que se trata – de advogados empregados públicos por escritórios de advocacia; é imoral e ineficiente (e, por isso mesmo, também inconstitucional) a realização de concurso público para contratação de meia dúzia de advogados paralelamente à contratação de meia centena de escritórios de advocacia, cada qual com diversos advogados associados, para dar conta de serviços comuns, que deveriam ser executados por advogados concursados.
Não é que o poder público não possa contratar escritórios de advocacia – pode, inclusive mediante procedimento de inexigibilidade. O que não pode é atribuir ao serviço de patrocínio de causas judiciais comuns e corriqueiras a natureza de “serviço singular”, que a lei exige para autorizar a contratação direta; tanto menos dispensar a exigência da “notória especialização”, também contida na lei.
Ao que se tem notícia, o Poder Judiciário tem corretamente determinado a anulação de diversos contratos entre empresas estatais (notadamente do setor financeiro) e escritórios de advocacia que impliquem burla à exigência de concurso público. Remanesce, no entanto, a dúvida de saber até que ponto o Poder Judiciário deve adentrar no caso, podendo ou não determinar a nomeação de tantos advogados quantos eram aqueles contratados via pessoa jurídica. Em que medida tal atitude não configura invasão nas competências da administração pública de organizar sua estrutura? Em que medida, ao revés, não deve o Judiciário ordenar a nomeação, visto que os candidatos aprovados no certame foram preteridos em razão da ilegal contratação dos escritórios? São questões como essas que guiarão a consolidação de um autêntico direito administrativo contemporâneo.
A contratação de agentes públicos não é loteria.
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