O Estado de S.Paulo - 10/11
Você votaria em um prefeito que já usou crack? Na semana passada, Rob Ford, de 44 anos, governante de Toronto, a maior cidade do Canadá, admitiu, após meses de pressão, ter fumado a droga no passado, quando, segundo ele mesmo, estava sob efeito de doses elevadas de álcool. Desde maio se sabia da existência de um vídeo, agora sob o poder da polícia, em que o prefeito aparecia fumando.
Enquanto vários setores pedem sua renúncia, o prefeito disse que não vai abandonar o cargo e que pretende disputar a reeleição em 2014. Embora em política, tanto aqui como no Canadá, as intenções de voto da população possam dar guinadas radicais, mesmo após a revelação de Ford, sua popularidade subiu 5 pontos e alcançou 44%. Na quinta-feira, após a veiculação pelo jornal Toronto Star de um outro vídeo, em que o prefeito aparece visivelmente alterado, em um provável estado de embriaguez, proferindo palavrões e ameaçando alguém de morte, sua situação pode se complicar. A polícia também investiga a ligação do prefeito com traficantes conhecidos da região.
O caso de Ford mostra um outro lado do crack. Diferentemente da imagem clássica que se tem do dependente que perambula pelas ruas sem rumo, em situação de miséria, vivendo de bicos ou de esmolas, com envolvimento frequente em delitos para financiar o uso, existe uma parcela dos usuários que vive outra realidade.
Aqui no Brasil, a pesquisa Estimativa do Número de Usuários de Crack e/ou Similares nas Capitais do País, divulgada em setembro pelo Ministério da Justiça em parceria com o Ministério da Saúde, revela que, apesar de quase 48% dos usuários viverem nas ruas, 65% se engajarem apenas em trabalhos eventuais e a maioria não ter completado o ciclo básico de educação, outros 5% têm nível superior completo ou incompleto e muitos trabalham de forma mais regular.
Como qualquer tipo de droga, mesmo o crack, apesar de seu alto poder de adição, pode ser usado de maneira única ou até eventual. O levantamento brasileiro mostra que 0,81% da população nas capitais usou o crack em 2012 de forma regular. Mas é provável que uma parcela maior tenha experimentado ou usado a droga de forma esporádica. Com o poder de criar dependência rapidamente, existe o risco de usuários eventuais migrarem para um padrão de consumo mais permanente.
Recentemente, um prestador de serviço com quem trabalho me informou que havia se separado da mulher e que lutava para se livrar do crack. Apesar de estar usando a droga há alguns anos, teve uma piora recente e foi buscar ajuda. Mesmo usando crack, ele manteve seu negócio e conseguiu, apesar das oscilações e das ausências, fazer a empresa prosperar. É claro que havia criado uma estrutura que dava suporte a sua eventual falta de assiduidade.
De fato, com a maior parte das drogas (e até com o crack em alguns casos), há quem consiga seguir o tratamento sem abandonar o trabalho e sem se afastar da rotina do dia a dia. Essa é, em geral, a escolha. Os afastamentos e internações ficariam reservados, então, para situações mais complicadas.
No caso de Ford, talvez mais grave do que a questão do crack seja a sua relação com o álcool e os descontroles que podem surgir em situações de abuso de bebida, até mesmo com o maior risco de exposição a outras drogas. Em uma posição de tanta visibilidade como a vida de um prefeito, o resultado pode ser dramático. É lógico que alguém que enfrenta uma dependência pode se recuperar e voltar a ter um padrão adequado de trabalho e de relações sociais. Mas, sem abordar a questão de frente e, muitas vezes, no limite, sem se retirar temporariamente de cena, para poder focar em um árduo trabalho de reabilitação, o futuro pessoal e político pode ser duramente prejudicado.
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