No palanque eleitoral, políticos e governantes juram que irão acabar com a pobreza. Passada a eleição, o juramento cai no vazio: as ações dirigidas aos pobres são inócuas porque ineficazes, não resolvem e, em muitos casos, são permeadas de fraudes, roubalheira, desvio do dinheiro. Exceção feita ao programa Bolsa Família, que gerou bons resultados pois o cartão magnético de acesso ao dinheiro é manejado diretamente pela mãe pobre, não transita pelas mãos de políticos nem de ONGs mal-intencionadas. É certo que alguns prefeitos cadastram parentes e cabos eleitorais no programa, mas são fraudes residuais, não chegam a comprometê-lo. O Bolsa Família cumpriu e seguirá cumprindo a missão de ajudar a combater a pobreza. Mas ele não basta: 18 anos depois das primeiras experiências, os programas de transferência de renda dão sinais de esgotamento, detectados em pesquisa feita pelo economista Claudio Decca, da Unicamp, que a expôs em entrevista ao Estadão de 3/11/2013.
Outra pesquisa, do IBGE, conhecida na quarta-feira, denuncia o trágico retrato da pobreza em favelas e palafitas das grandes cidades e comprova o diagnóstico do economista da Unicamp: o Bolsa Família já fez, mas não faz mais a diferença. Sua renda foi incorporada ao orçamento do pobre, mas não foi capaz de tirá-lo da condição de vida degradante. Na verdade, o cerne das ações de combate à pobreza está onde sempre esteve: em educação, saúde, transporte, habitação, saneamento e segurança. Não em paliativos e nas maquiagens das construções precárias do programa Minha Casa, Minha Vida; ou de hospitais e ambulatórios insuficientes, desaparelhados e inoperantes; ou em escolas que produzem analfabetos funcionais. Enquanto não for universalizado o acesso aos serviços públicos nem oferecido aos usuários padrão de qualidade (aquele padrão Fifa proposto nas manifestações de junho), a pobreza e a desigualdade persistirão.
Políticos e governantes sabem disso, mas, em vez de trabalharem para fechar as brechas por onde escorre a corrupção, escolhem o caminho do discurso demagógico. Como fizeram na última semana a presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Em falas decoradas, iguais e orquestradas, os dois foram à TV atacar anônimos que não identificaram e que estariam agindo para acabar com o Bolsa Família: "(O programa) veio para ser a porta de saída da miséria e a porta de entrada de um mundo de esperança", repetiram, em jogo de palavras para emocionar ingênuos. Como se algum adversário estivesse disposto a praticar harakiri político extinguindo o programa. Demagogia como o candidato tucano Aécio Neves vir a público declarar a intenção de transformar o Bolsa Família em política de Estado. Política de Estado seria oferecer saúde, educação e transporte de qualidade, multiplicar redes de esgoto e água tratada, construir casas seguras para 11,4 milhões de pessoas que moram em lixões, favelas e palafitas, mostradas na pesquisa do IBGE.
Pela primeira vez o IBGE mapeou a pobreza urbana das grandes cidades. Constatou que 11,4 milhões de pessoas vivem em áreas de risco, contaminadas, sujeitas a doenças. São favelas e palafitas onde vivem, em média, 3,5 pessoas por domicílio, que têm TV, geladeira, máquina de lavar e telefone celular (54%), o que o mundo de consumo oferece e que pode ser comprado a crédito. Mas vivem em condições indignas e degradadas, onde saúde e educação são precaríssimas, não há saneamento e água tratada e levam quase 2 horas para chegar ao trabalho - quando o têm, porque 28% vivem de biscates. Segundo o IBGE, 6% da população brasileira vive nessas condições, diverte-se com a TV e sofre com a exclusão de direitos básicos e de cidadania.
O ineditismo da pesquisa deveria atrair governantes a trabalharem na definição de políticas públicas para essa população marginalizada. Mas não só ela. O Estado precisa ser dotado de uma estrutura de leis e regras que dificultem a corrupção e garantam serviços públicos competentes, de qualidade. Será um passo firme, sem volta, para combater a pobreza.
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