FOLHA DE SP - 10/11
SÃO PAULO - Vai ganhando corpo a corrente dos profissionais de saúde mental que, como o americano Dale Archer, denuncia a patologização de comportamentos normais. Pressões da indústria de drogas seriam um dos motivos para essa verdadeira epidemia de diagnósticos.
É fato que o aumento das doenças mentais ocorre num ritmo suspeito e que isso interessa aos laboratórios. Penso, porém, que ao menos parte do fenômeno está relacionado a uma questão de filosofia da medicina que é pouco explicitada. Quando se torna legítimo atuar? Na visão mais clássica, o médico só pode intervir para restaurar a saúde. A prescrição de drogas para qualquer outro fim que não curar uma doença bem definida seria antiética.
A questão é que, sem muito alarde, esse paradigma está mudando. Hoje, as pessoas procuram médicos não só para recuperar a saúde mas também para melhorar sua performance numa área ou apenas para sentir-se melhor. Não vejo muito como condenar em termos morais essa ampliação do escopo da medicina. É evidente, porém, que ela cobra seu preço. A patologização de estilos de ser que poucas décadas atrás seriam classificados como meras variações de personalidade é parte da fatura.
Paradoxalmente, a supermedicalização convive com seu reverso, que é o subdiagnóstico, já que parcela significativa da população brasileira não tem acesso ao sistema de saúde e fica sem tratamento. E, se queremos atender a todos, que me perdoem os psicoterapeutas, não há caminho que não o dos remédios.
Imaginemos, num cálculo conservador, que 10% da população sofre de algum transtorno e poderia beneficiar-se de tratamento. Se fôssemos ministrar duas horas de terapia por semana a 20 milhões de pacientes, precisaríamos de um exército de 1,1 milhão de profissionais executando jornadas fordistas (sem intervalo) de 35 horas semanais. É muita areia para o caminhãozinho do SUS.
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