O Estado de S.Paulo - 10/11
Não terei direito a reclamar se um dia meu saldo bancário, de tão esbelto, não me servir mais que a sopa dos pobres; em outras palavras: se por uma rarefação pecuniária eu vier a perder não apenas o pré-sal, como se passou com aquele multiempresário, mas o próprio sal. O culpado serei eu. Não que estivesse fadado a ter fortuna, derretível ou não, como a do referido Sr. X-Tudo. Mas reconheço: joguei fora algumas oportunidades de fazer com que a minha conta fosse, a exemplo de minha pessoa física, acumulando gordurinhas.A primeira delas foi na juventude belo-horizontina, quando Bueno de Rivera - poeta que sabia como poucos tanger a lira, aí incluída a moeda italiana de então - me propôs criarmos uma produtora de documentários de curta-metragem. Ainda posso vê-lo, olhos semicerrados, corpanzil arreado no sofá da redação do Suplemento Literário, onde eu trabalhava, a me explicar como seria a coisa: filmetes (estávamos longe do hoje antediluviano videocassete) para animar festinhas de aniversário de crianças de famílias abastadas.
Entre rodadas de brigadeiro, os amiguinhos seriam submetidos a uma catadupa de imagens do cotidiano de quem soprava as velas: Flavinha e suas bonecas, Flavinha e as coleguinhas, Flavinha na escola, Flavinha no clube, Flavinha cavalgando na cinematográfica fazenda do vovô. Em pouco tempo, antevia o poeta, não haveria em Belo Horizonte criança rica que não atormentasse o pai para arrancar dele seu próprio filme de aniversário. Mina de ouro! - e o ladino Bueno de Rivera agora arregalava os olhos como em presença de um saco de moedas ou de um decassílabo perfeito.
Vagamente repugnado, desconversei. Como podia um poeta conceber semelhante expediente para cavar dinheiro? Não fiquei em Belo Horizonte para ver se, com sócio mais flexível, o projeto foi adiante. Vai ver que sim, pois o autor de Mundo Submerso já emplacara bolações rentáveis como o onipresente Guia Rivera, GPS de papel que nenhum motorista de táxi podia dispensar. Foi também ele quem editou um aparatoso volume com perfis de figurões da vida mineira, viabilizado porque as famílias dos homenageados toparam comprar antecipadamente três exemplares da obra - publicada sem ônus para Bueno de Rivera, pois o governo de Minas a considerou de interesse público.
Minha segunda chance de ganhar uns cobres veio anos mais tarde, em São Paulo, no momento em que me preparava para ir viver em Paris. Quando fui devolver o quarto e sala onde morava, o proprietário, Rubens Caporal, dono também da Casa Prata, importadora de comidas e bebidas finas, me fez uma proposta: ser na França o seu comprador de vinho, o que lhe pouparia cansativas viagens a trabalho.
Por pouco não reagi ofendido, tão inflado estava por minha condição de jornalista, atividade, julgava eu, incomparavelmente mais nobre que o vulgar comércio. Caído na real, já não pensava assim quando, um ano mais tarde, de passagem por Paris, o boa praça Rubens Caporal teve a generosidade de renovar o convite. Fiquei tentado - quando menos, pelas descidas que faria a caves de sonho, para cafungantes & bochechantes degustações -, mas um persistente orgulho de jovem não me deixou berrar "sim!"
Foi também naquela época que minha amiga e colega Bia Bansen me apareceu com a perspectiva de um dinheirinho, nem tão diminutivo assim. Tendo aberto um parêntese na sua vida de jornalista, ela estava providenciando o lazer de brasileiros que tinham ido ver a Copa do Mundo na Alemanha e que, entre dois compromissos da nossa seleção, estavam ávidos por programas extrafutebolísticos. Você topa administrar o pessoal em Paris? - perguntou a Bia.
Com essa amiga eu não precisaria fazer cerimônia, mas me abstive de explicar o quanto me caíra mal a possibilidade de macular meu currículo de trabalhador intelectual (tomado pela vertigem de sobreloja, eu já me sentia nas culminâncias) com um capítulo como guia turístico. Nem preciso dizer o quanto me arrependi, também naquele episódio - ainda mais ao ver a bem-sucedida carreira que a querida e competente Bia Bansen veio a construir no ramo da comunicação.
Posso pedir mais uma chance?
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