GAZETA DO POVO - PR - 23/10
Apesar da falta de interesse das potências do setor petrolífero, o governo não hesitou em classificar de “sucesso” o leilão de Libra
Como pode ser considerado um “sucesso” um leilão em que, de 40 empresas que poderiam participar, apenas 11 demonstram formalmente seu interesse, e entre as ausentes há algumas das maiores potências do setor? E em que, no grande dia, não há disputa, com apenas o lance mínimo sendo oferecido por um grupo formado por quatro dessas 11 empresas (a quinta, pelo regulamento do leilão, obrigatoriamente teria de estar no consórcio vencedor), tendo as demais julgado que não valia a pena nem tentar? Pois “sucesso” foi a palavra usada pela presidente Dilma Rousseff, pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e pela diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard, para descrever o leilão do Campo de Libra, o maior do pré-sal, realizado anteontem. “Sucesso maior do que esse é difícil de imaginar”, disse Magda. Só podemos lamentar sua imaginação pouco fértil – qualquer situação em que houvesse concorrência, para começar, já teria sido melhor que o que se viu no Rio de Janeiro, na segunda-feira.
Por pouco a “privatização” de Libra não se tornou uma estatização completa. O consórcio vencedor tem participação 60% estatal: 40% da Petrobras (já incluída a fatia de 30% que, pela lei, seria da empresa brasileira independentemente da composição do consórcio), 10% da chinesa CNPC e outros 10% da também chinesa CNOOP. Os 40% restantes foram divididos pela anglo-holandesa Shell e pela francesa Total, apontadas por especialistas como as “surpresas” do leilão. Mas como poderia surpreender que duas empresas que estão entre as líderes em sua área tivessem interesse em explorar o maior campo do pré-sal brasileiro? Afinal, o natural seria que elas – e todas as demais gigantes do ramo petrolífero – estivessem na primeira fila, loucas pelo pré-sal. Foi aproveitando oportunidades como essa que elas chegaram aonde estão. Se não houve esse interesse todo, é preciso encontrar a causa em outros fatores.
As regras do leilão são a chave para entender por que o frisson ficou longe do esperado. Como explicou o editor e colunista Franco Iacomini na edição de ontem da Gazeta, o governo desenhou o sistema de partilha de forma que as empresas estrangeiras fariam o trabalho duro, mas teriam de entregar ao governo brasileiro não só boa parte do petróleo retirado (o lance mínimo era de 41,65%), mas também o próprio poder de decisão sobre a exploração, por meio da estatal Pré-Sal Petróleo SA (PPSA). A burocracia de Brasília inventou, assim, um “capitalismo sem lucro” que dificilmente provocaria entusiasmo entre os concorrentes. Demonstrando que conhece bem o modus operandi petista, a Total temia que as nomeações para a PPSA fossem de caráter político; os franceses só entraram no grupo que deu o lance único após terem certeza de que as indicações eram técnicas.
O “sucesso” de Dilma, Lobão e Magda vai custar caro à Petrobras, cuja cúpula terá de quebrar muito a cabeça para descobrir como bancar 40% (e não 30%, como previsto inicialmente) dos custos da exploração do pré-sal. Segundo o Bank of America, a estatal brasileira é a empresa não financeira mais endividada do planeta, devendo US$ 112,7 bilhões. Decisões populistas como as de manter o preço da gasolina artificialmente mais baixo estão sangrando os cofres da empresa e destruindo seu valor de mercado.
Tudo isso mostra que, ao contrário do que diz a diretora da ANP, seria muito fácil imaginar um sucesso maior. Com regras mais sensatas, todas as grandes empresas do setor de petróleo teriam demonstrado interesse, elevando a concorrência, o que consequentemente teria efeitos mais benéficos para o governo. Submetida a uma política menos populista, a Petrobras estaria em melhores condições financeiras para explorar Libra.
Agora, não há mais como desfazer o que foi feito segunda-feira. O próximo leilão do pré-sal deve ocorrer em dois ou três anos, e basta mudar o sistema para um modelo menos hostil ao livre mercado. Mais complicada de corrigir será a política energética do governo, que, maravilhado com o potencial do pré-sal (e, talvez, em uma tentativa de marginalizar o agronegócio, volta e meia retratado pelo petismo como “inimigo da nação”), deixou ao deus-dará o etanol, que poderia ter sido a chave para o país assumir um protagonismo real no cenário energético mundial, em vez de viver de um futuro enterrado alguns quilômetros abaixo do fundo do mar.
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