FOLHA DE SP - 04/08
Qualquer médico brasileiro precisa comprovar o domínio do inglês para estagiar nos EUA, por exemplo. A conversa com o paciente é fundamental
Em 1973, aluno da Faculdade de Medicina do ABC, como voluntário e depois como subcoordenador de saúde do Projeto Rondon, no campus avançado de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), senti de perto a total falta de estrutura para a prestação de assistência médica de qualidade a um povo já sofrido.
Tivemos que fazer um parto em plena estrada de terra, pois o serviço de saúde era distante, as condições da rodovia eram terríveis e não havia mais tempo.
Éramos um grupo de entusiastas, mas sempre sob supervisão acadêmica. Ninguém estava ali se não pela sua própria vontade.
Em 1976, já residente da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, continuei no Projeto Rondon, em Marabá (PA). O atendimento às populações ribeirinhas ocorria após uma linda travessia de barco seguida por uma esburacada e longa estrada.
Há 11 anos, convidado pelo governo de Angola, coordeno projetos de prevenção à transmissão vertical do HIV e de biossegurança nos hospitais nacionais. Chegamos lá logo após o fim de uma guerra civil. Ajudamos a qualificar os recursos humanos locais para prestar assistência aos doentes, por meio de treinamentos e intercâmbios.
Essa experiência de décadas me permite dizer, categoricamente, que não se resolve a carência de médicos no interior do Brasil contratando profissionais estrangeiros sem revalidação do diploma ou exame de proficiência em língua portuguesa.
Qualquer médico brasileiro precisa comprovar o domínio do inglês fluente se quiser estagiar nos Estados Unidos, por exemplo. Na atenção primária em saúde, a conversa com o paciente é fundamental.
Nos rincões brasileiros, a carência de estrutura dos serviços de saúde, sem contar a questão do acesso, ainda é, infelizmente, uma realidade. É preciso condições adequadas de trabalho e a possibilidade de crescimento em termos de carreira e qualificação. Nenhum médico hoje ficará satisfeito simplesmente em razão do salário.
Preocupa do mesmo modo a proposta do Ministério da Educação em relação à extensão dos cursos de medicina, com residência compulsória no Sistema Único de Saúde.
Não foi estabelecido de que forma esses alunos serão monitorados à distância ou qual faculdade tem corpo docente suficiente e capacitado para ensinar nas salas de aula e monitorar alunos à distância, simultaneamente.
Se não forem elevados os recursos destinados para a área da saúde, não se fará política pública neste país.
O Instituto de Infectologia Emílio Ribas forma residentes para o país inteiro. Vejo jovens dispostos, que mantêm o romantismo pela profissão e são bem qualificados, mas não encontram condições mínimas de trabalho em muitos lugares.
O Brasil já avançou bastante nas últimas décadas em saúde pública. A população hoje vive mais e com maior qualidade. Ainda temos muito para avançar na área de ensino, pesquisa e qualificação em medicina. Queremos médicos brasileiros, e até mesmo estrangeiros, com condições adequadas para proporcionar saúde à população.
Um comentário:
O articulista aborda talvez um dos mais importantes critérios para a importação de médicos de outros países: o conhecimento fluente do nosso idioma. Sem isso, dificilmente médicos se entenderão com seus pacientes com o êxito que desejam
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