GAZETA DO POVO - PR - 04/08
A medicina brasileira vive momentos trepidantes e em pouco tempo teremos cubanos, portugueses, espanhóis nos consultórios do SUS fazendo diagnósticos em várias línguas. Preparem-se, caros pacientes; é bom saber que as mesmas palavras podem ter significados totalmente diversos em dois países diferentes.
Quando o médico português lhe perguntar se “tem ido com frequência à retreta”, não pense que ele está se referindo a simpáticas orquestras tocando em coretos interioranos; o médico lusitano estará lhe perguntando se seu intestino está funcionando bem e se você tem ido ao banheiro com regularidade. Se lhe sugerir “acionar o autoclismo da retreta” após o uso da mesma, estará lhe lembrando para apertar a válvula. Se o médico espanhol lhe ordenar “sacar su saco”, ele estará simplesmente mandando que você tire o paletó, e não recomendando uma cirurgia mutiladora.
É bom preparar as mulheres para perguntas enigmáticas: quando o médico lusitano perguntar se estão “de histórias”, ele não quererá saber das últimas fofocas e fuxicos, e sim se a paciente está menstruada. E à pergunta do médico cubano se está “embarazada”, ela não deve imaginar que sua modéstia e acanhamento estejam chamando a atenção do esculápio, e sim que ele quer saber se a consulente está grávida.
Embora tenham um ar de brincadeira, esses exemplos são rigorosamente verdadeiros. No entanto, a dificuldade linguística será apenas um dos obstáculos a serem enfrentados na implantação do tal programa Mais Médicos. Em outros casos, a própria falta de familiaridade com as peculiaridades da população brasileira e de suas mazelas será outra barreira formidável a ser superada: várias doenças erradicadas ou controladas há décadas na Europa ainda sobrevivem no Brasil, facilitadas pelas péssimas condições de higiene e de saneamento nas áreas mais pobres do Brasil, exatamente aquelas que vão ser destinadas aos médicos oriundos de outros países. Em seus países de origem, essas doenças não são nem sequer estudadas, pela inutilidade de fazê-lo.
Não nutro muitas esperanças de que a experiência do Mais Médicos vá dar certo. Com minha mente pedestre, eu preferiria investir em outra direção, revalorizando significativamente a carreira médica no Brasil nas duas pontas: criando condições objetivas para que os médicos recebam remunerações minimamente decentes, compatíveis com seus seis ou oito anos (com a residência) de preparação técnica, para que possam viver dignamente e abandonar a diáspora permanente de correr de um emprego a outro para garantir um mínimo de sobrevivência. E, na outra ponta, investindo seriamente na qualidade dos cursos de Medicina no Brasil, hoje em níveis lastimáveis, com as (poucas) exceções que confirmam a regra.
De minha parte, sem qualquer demérito aos profissionais latino-americanos, espanhóis e portugueses, sugiro esperar um pouco até ter a certeza de que médicos e clientes estejam falando a mesma língua. Para não repetir o caso do brasileiro que foi aconselhado em Portugal a usar preservativos em suas relações sexuais. Na consulta seguinte, o paciente confessou que havia sido obrigado a descumprir a recomendação, porque a retirada da proteção lhe causava dores excruciantes. Intrigado, o médico quis ver o preservativo utilizado e o brasileiro lhe mostrou um rolo de fita durex. Gargalhada do médico: em Portugal, “durex” é o nome da camisinha.
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