ESTADÃO - 04/08
A boa gestão das contas públicas será novamente posta em xeque se os investimentos, em mobilidade urbana forem descontados do endividamento de Estados e municípios, uma inovação defendida pela presidente Dilma Rousseff. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou-se contrário a essa mudança, mas sua chefe, segundo informou o Estado na sexta-feira passada, "exigiu esforço máximo e conjunto" de sua equipe para dar à inovação uma vestimenta jurídica adequada.
Essa nova demonstração de voluntarismo - a proposta de mudança na regra fiscal - é mais uma reação da presidente às manifestações de rua. Os primeiros protestos, em junho, foram contra os preços e a qualidade do transporte público. Com a continuação das marchas, outras bandeiras foram levantadas, com reivindicações de melhora na educação e nos serviços de saúde. Uma resposta parcial a essas cobranças foi a tentativa de condicionar a graduação dos médicos à prestação de serviço público por dois anos.
A ideia de acrescentar dois anos ao curso, uma bobagem de proporções federais, foi abandonada, mas a intenção de forçar a prestação do serviço civil foi mantida, pelo menos temporariamente. Essa derrota parcial foi insuficiente para estimular a presidente a ser mais cautelosa.
Ela apresentou a nova proposta sem saber como expressá-la juridicamente. A solução do problema foi entregue à Advocacia-Geral da União. A decisão política foi tomada em reunião ministerial no Palácio da Alvorada, na terça-feira, Segundo fontes do governo, a presidente pretendeu responder às manifestações de rua, atender às demandas de prefeitos por mais dinheiro e ampliar a bateria de estímulos à recuperação da economia.
Como de costume, a decisão foi precipitada, mal calculada e baseada diagnóstico errado. Gomo outras iniciativas, poderá contribuir para a piora das contas públicas, agravando o risco de lambanças fiscais já previsíveis em períodos de eleição.
O erro de diagnóstico é evidente. O principal obstáculo à melhora do transporte público está longe de ser, neste momento, a escassez de dinheiro. Entre 2002 e 2012, foram aplicados em ações de mobilidade urbana somente 19% dos recursos previstos no Orçamento Geral da União, segundo levantamento divulgado em 26 de junho pela organização Contas Abertas.
Os programas mudaram de nome nesse período, mas os problemas gerenciais permaneceram. No ano passado, o Tesouro pagou R$ 271,02 milhões dos R$ 2,78 bilhões previstos para o exercício, apenas 9,74% do total.
Neste ano, até 22 de junho, os pagamentos chegaram a R$ 205,72 milhões, ou 13,06% da verba autorizada. O valor desembolsado nesse período incluiu R$ 176,28 bilhões de restos a pagar. Não houve, portanto, falta de dinheiro federal, mas limitação de desembolsos.
O pagamento, segundo o Ministério das Cidades, responsável pelo PAC Mobilidade, é realizado com base na medição das obras executadas. A execução, portanto, é em geral bem mais lenta do que indicam os cálculos tomados como base para o Orçamento. A lentidão das obras, de acordo com o Ministério, decorre de vários fatores, como a demora na elaboração dos projetos de engenharia, as dificuldades de licenciamento e questões ligadas a desapropriações, remoções e reassentamentos.
Além disso, a baixa qualidade do transporte público pode também estar associada aos critérios de política seguidos em cada município. Isso inclui, por exemplo, o traçado das linhas, as possibilidades de conexão e a organização do trânsito.
Em São Paulo, há problemas evidentes em todos esses quesitos. O desenho da malha de transportes é altamente insatisfatório, o interesse dos empresários pesa mais que a conveniência do público e o trânsito é muito mal administrado. Cruzamentos travados nas horas de pico são uma prova cotidiana das falhas de gestão.
Afrouxar os critérios de endividamento de Estados e municípios de nenhum modo resolverá os problemas de mobilidade urbana. Mas resultará, muito provavelmente, no agravamento de problemas fiscais. A solução, como sempre, será penosa.
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