ESTADÃO - 04/08
Em junho de 2011 escrevi aqui no Estado um artigo, em duas partes, chamado Dez razões para ter cuidado com a China, que se originou da leitura de um trabalho escrito pelo conhecido economista Stephen Roach, que tinha por título Dez razões para apostar na China.
Ali, Roach colocava que o país tinha estratégia, compromisso com a estabilidade de regras e meios para realizá-las. Além disso, a China tinha uma alta taxa de poupança, crescente urbanização, grande demanda por infraestrutura, um bom sistema educacional, farto aporte de investimento estrangeiro e melhoras na área de inovação. Finalmente, o consumo poderia crescer de forma mais significativa, de sorte que não seria a hora de apostar contra a China.
O contraponto que tentei colocar foi chamar a atenção para limitações à continuidade do crescimento, expressas pelos seguintes fatores: um acelerado envelhecimento da população, ainda bastante pobre, uma forte redução na oferta de terras e de água, limitações na oferta de energia, forte crescimento da poluição, maiores dificuldades nas exportações por elevações de custos (internos e pela valorização do yuan), limitações ao crescimento do mercado interno, uma aparente falta de criatividade no processo de inovações e, finalmente, o crescimento dos riscos sociais e políticos "decorrentes da natural demanda por maior liberdade, que acompanha o crescimento da renda".
Escrevi então, que "aqui na MB continuamos com a visão de que a China deve continuar a crescer vigorosamente, pelo menos nos próximos dois ou três anos. Mas o que acontece a partir daí?".
Dois anos de expansão ainda vigorosa, que está sendo seguida por uma expressiva redução no crescimento, que neste ano deve ficar entre 7% e 7,5%. Para 2014,mesmo os analistas mais otimistas admitem que o patamar de crescimento vá para a faixa de 6% ou 6,5%.
A partir dessas expectativas, duas grandes visões se entrechocam: a visão otimista reconhece que a sustentação do crescimento depende essencialmente de reformas que avancem no sentido da elevação da eficiência da economia como um todo e da criação de um grande mercado interno e que essas reformas são possíveis.
A visão alternativa, naturalmente, sustenta que o volume de ineficiências na economia e as dificuldades para a expansão do consumo levarão a uma queda contínua no crescimento e a crises políticas.
É importante notar que otimistas e pessimistas partilham a visão de que o excesso de investimentos em certas áreas reduziu muito a eficiência do capital, gerando grandes distorções e diminuindo o crescimento potencial da economia. Exemplos disso são abundantes: existem mais de 500 milhões de toneladas de capacidade de produção de aço excedentes (incluindo muitas empresas poluentes e de baixo nível tecnológico), estradas e pontes quase sem tráfego ou ainda um grande número de imóveis sem compradores. A maior parte desses empreendimentos foi patrocinada por entes provinciais ou locais, a partir de forte expansão de crédito de qualidade duvidosa.
Os otimistas estão seguros de que o novo governo chinês vai atuar na liberalização do mercado de crédito, incluindo mais flexibilidade para os bancos fixarem os juros e os empréstimos. Isso levaria ao redirecionamento do crédito para projetos mais viáveis, melhorando a produtividade do sistema como um todo.
Ademais, é crucial que o governo central consiga mais controle sobre as províncias e os municípios, evitando a criação e expansão de projetos e empresas ineficientes. O conjunto de reformas incluiria também melhores regras quanto à competição nos mercados e alterações na própria política fiscal. Nessas condições, um crescimento sustentado de 6% poderia prevalecer.
Os pessimistas chamam a atenção para pelo menos dois grandes grupos de dificuldades: num país onde centenas de milhões de pessoas ainda têm renda bastante baixa e sem acesso a qualquer estrutura de previdência social, a tendência a poupar muito é bastante forte. Isso torna muito pouco provável que o crescimento do consumo, como proporção do PIB, possa sustentar a expansão do país como um todo.
O outro grupo de problemas seria que a dificuldade em implementar controles sobre províncias e municípios levaria a uma ampliação das ineficiências da economia, uma vez que os salários continuarão a subir, bem como os custos associados à poluição, qualidade da água e terrenos, o que levaria a intermitentes pressões inflacionárias, como já vimos num passado recente. Neste caso, a necessária redução de investimentos da economia não seria compensada pela expansão das exportações ou do consumo interno. O movimento de reindustrialização da economia americana reforçaria esse processo. Nesse cenário, seria inevitável uma elevação dos conflitos sociais e políticos, perpetuando um crescimento muito baixo num país que está ficando velho, antes de ficar rico.
Apenas em 2014 poderemos ter uma ideia melhor de qual cenário prevalecerá. Do discutido até aqui emerge pelo menos uma constatação: o grande ciclo de preços de commodities está encerrado, o que já se reflete nas cotações dos diversos mercados. Isto não quer dizer que os preços entrarão em colapso, mas sim, que valores muito elevados não deverão mais acontecer, exceto quando da ocorrência de anormalidades, como secas ou conflitos em certas regiões, como o Oriente Médio.
Países como o Brasil não terão mais ganhos de termos de troca tão expressivos como no passado recente. Entretanto, continuo achando que a demanda de alimentos e energia continuará a crescer de forma importante nos próximos anos.
Mesmo assim, nossa vida será mais difícil. Por exemplo, a atual safra de grãos mostra que daqui para a frente o gargalo da infraestrutura de escoamento da safra tenderá a ser uma limitação efetiva para a alta da produção, uma vez que nesse ano muitos produtores do Mato Grosso gastaram algo como 40% do valor bruto da produção para enviar a soja ao porto. A safra de grãos de 200 milhões de toneladas para o próximo ano corre sérios riscos.
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