FOLHA DE SP - 04/08
Crise faz turismo na aprazível, progressista, mas porém pobre urbe de "X", no litoral longe do Nordeste
A TEMPORADA TURÍSTICA não começou bem na aprazível cidade de X, que abriga menos de 10 mil almas ao longo de umas três ruas paralelas às praias de um lugar onde o vento faz a curva, no Nordeste do Brasil. A crise também faz turismo.
Julho de 2013 parece ter sido o primeiro de recessão no turismo de X, que crescia sem parar faz quase uma década. "Parece", é impressão geral, pois X não conta com dados econômicos de alta frequência. Os restaurantes não tinham mais que duas mesas ocupadas em cada almoço ou jantar de uma semana inteira.
Mas houve uma década de progresso nesta urbe de gente que antes vivia de peixe e coleta de coco, o que ainda faz na baixa temporada.
Motos das maquiladoras da zona franca substituem jegues, vários soltos nas ruas, como se via no sul do Piauí ou no Cariri do início do "milagre do crescimento" luliano (2006-07), quando os bichinhos de catadura triste eram largados ou vendidos por alguns reais.
Muitos dos amáveis moradores de X vivem naquilo que daqui do centro rico de São Paulo parece o mundo fantástico dos programas do governo federal, com aqueles nomes marqueteiros anunciados nas cerimônias cafonas de Brasília.
Um dia, o visitante resolveu fazer pilhéria do cálculo de probabilidades e entrou numa lotérica-banco da Caixa, seduzido pelo devaneio da manchete "Mega Sena acumulada de R$ 20 milhões sai para um único apostador de X".
A fila da lotérica-banco não andava. Cinco moradores de X esperavam para receber seu Bolsa Família, mas não havia dinheiro no caixa. O pessoal bolsista de X por vezes espera duas horas até aparecer alguém que faça pagamento ou aposta grande o bastante para cobrir o dinheirinho do Bolsa Família. Mas há o Bolsa Família, alívio.
A renda per capita de X não chega a R$ 260 por mês (a renda per capita média das cidades brasileiras é R$ 493). Na lista do Índice de Desenvolvimento Humano, a cidade está lá para lá de 4.000º lugar.
Na saída da escola primária, as crianças dos vilarejos mais distantes pegam um ônibus escolar novinho em folha, laranja como aqueles americanos, com logotipo do governo federal e o nome "Programa Caminho da Escola" na lataria.
Quase 99% das crianças de 6 a 14 anos estão pelo menos matriculada nas escolas de X, embora 77% delas estejam "vulneráveis à pobreza", como diz o Atlas do IDH.
Mas ver a barulheira das crianças aparentemente bem alimentadas tomando o ônibus novinho dá uma satisfação alegre, ainda que uma nuvem rápida passe pela cabeça ("o ônibus foi superfaturado?").
A nuvem volta quando se descobre que os meninos da 8ª série e do colégio tiveram menos de um terço das aulas do primeiro semestre. Faltam professores de química, matemática, história e geografia, entre outros problemas, como o diretor da escola berrar com estudantes e pais que reclamam da precariedade.
Os médicos parecem cumprir seu turno de trabalho nos postos de saúde e no Programa Saúde da Família, o que não é muito comum pelos fundões do país. Trabalham as oito horas, diz o povo, mas há mais postos e horas no dia do que médicos. Na cidade vizinha maior, a 40 minutos pela estrada de buracos, o único hospital das redondezas mal funciona por falta de funcionários.
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