O GLOBO - 15/03
O início de governo de Dilma Rousseff criou expectativas positivas de um ajuste na política externa, para realinhá-la às melhores tradições profissionais do Itamaraty. Depois dos oitos anos de Lula, durante os quais se forjou a “diplomacia companheira”, impregnada de um terceiro-mundismo trazido do século passado, os primeiros movimentos de Dilma pareciam sensatos.
Antes mesmo de tomar posse, criticou o Irã no caso da condenação da viúva Sakineh Ashtiani à morte por apedrejamento, acusada de adultério, e, já no Planalto, afastou-se do ditador Muamar Kadafi. Foram atitudes de impacto porque o iraniano Ahmadinejad e o líbio Kadafi eram tratados por Lula como aliados de primeira linha, postura de inconsequência juvenil, apenas para marcar posição contrária aos Estados Unidos.
Foi só. A política externa de Dilma Rousseff desde então curvou-se, quase sempre, aos desígnios da ala bolivariana-chavista do continente. Até que, nesta semana, o representante brasileiro em reunião realizada no Equador para examinar a reforma da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), ficou do lado oposto ao do bloco em que se encontram o próprio Equador, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, os bolivarianos.
Depois que a CIDH condenou a construção da usina de Belo Monte, há dois anos, ao aceitar denúncias de organizações sociais de que a obra prejudicaria populações indígenas, um Planalto irritado fez menção de reforçar os bolivarianos nos ataques à comissão.
O governo Dilma misturou assuntos distintos. Seria grave equívoco o Brasil retaliar a comissão devido ao caso da hidrelétrica, aliando-se a um grupo de países interessados em silenciar as denúncias da CIDH dos atentados que cometem contra a liberdade de expressão.
Daí o presidente do Equador, Rafael Correa, um dos que mais perseguem a imprensa independente na região, trabalhar com afinco para que a assembleia geral extraordinária da OEA, dia 22, limite a ação da CIDH.
Se Dilma apoiasse o estrangulamento da CIDH, participaria de um ataque sério à liberdade de expressão no continente. Seria uma incoerência em relação à postura da presidente no plano político interno brasileiro.
Tem sido praxe candidatos a presidente no Brasil assinarem a Declaração de Chapultepec, da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), de apoio à liberdade de expressão no continente. Ela não fugiu à tradição e tem cumprido o compromisso que assumiu.
Não passou despercebido, nas declarações que a presidente deu de lamento pela morte de Hugo Chávez, o registro de que nem sempre concordara com posições do caudilho. É certo que uma das discordâncias é sobre a perseguição à mídia independente movida pelo chavismo. Não faz mesmo sentido apoiar a manobra contra a CIDH.
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