Valor Econômico - 15/03
Há substanciais diferenças entre o que o mercado gostaria de ver e o que o Banco Central diz na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem. O BC ratificou os termos do comunicado do comitê, feito dois dias antes da desagradável surpresa inflacionária. Esperava-se para fevereiro uma inflação mais próxima de 0,40% e o IPCA registrou variação de 0,60%, conforme divulgado pelo IBGE na sexta-feira da semana passada.
O mercado considerou que o comunicado, divulgado quarta-feira, já havia envelhecido na sexta-feira e que os juros básicos (taxa Selic), então, começariam a subir em abril.
A ata jogou água fria nesse prognóstico e trouxe uma nova expressão - "cautela". O parágrafo 28 sintetiza essa visão: "Embora essa dinâmica desfavorável possa não representar um fenômeno temporário, mas uma eventual acomodação da inflação em patamar mais elevado, o Comitê pondera que incertezas remanescentes - de origem externa e interna - cercam o cenário prospectivo e recomendam que a política monetária deva ser administrada com cautela".
Governo está à espera de uma queda da inflação
O Copom não especifica o que seriam essas incertezas internas e externas, mas sabe-se que o governo da presidente Dilma Rousseff continua preocupado com o crescimento deste ano e guarda grandes expectativas de que os preços dos alimentos, que até fevereiro subiram 12,5% no acumulado de 12 meses, comecem a cair e aumentem, este ano, não mais que uns 5%.
A desoneração da cesta básica, e de boa parte da produção industrial, seria um reforço para a moderação da inflação. O comitê destaca, também, a recente acomodação dos preços internacionais das commodities e coloca peso relevante na taxa de câmbio.
Em 2012, a depreciação cambial feita na marra respondeu por boa parte da inflação de 5,84% mas, neste ano, a apreciação terá efeito contrário. Se o real se valorizar em torno de 10%, por exemplo, a contribuição para a queda da inflação - tudo o mais constante - pode chegar a 0,60 ponto percentual.
O BC está diante do pior dos mundos: inflação corrente alta e nível de atividade fraco. Com os olhos na inflação futura, sua ação tem sido de ajuste gradual da comunicação entremeado com uma medida aqui, outra acolá. No fim do ano passado, descartou a possibilidade de acentuar a depreciação cambial e fez provimento de liquidez para um mercado que estava ilíquido; em janeiro deste ano deixou claro que não havia mais hipótese de reduzir os juros e começou a permitir uma valorização do câmbio; em fevereiro disse que estava desconfortável com o patamar da inflação e engrossou o tom. Na ata de ontem, contudo, não assumiu compromisso com prazo nem intensidade de um eventual ciclo de aperto monetário que se avizinha. Deixou as questões em aberto.
É, de fato, complicado aumentar a taxa de juros numa economia onde a farinha de mandioca subiu 80% no ano passado e o PIB cresceu apenas 0,9%. Não que o BC tenha que responder pelo crescimento, mas o choque de preços dos alimentos não decorre do excesso de demanda. Por torcida, reza ou convicção, o que se espera, portanto, é que a inflação - hoje resiliente e com possibilidade de se estacionar num patamar mais elevado - comece a ceder e valeria à pena, portanto, aguardar mais um pouco.
Em maio, por exemplo, já estaria bem mais clara a tendência do IPCA, assim como a performance da atividade econômica do primeiro trimestre do ano, advogam alguns técnicos. Alta fonte do governo argumenta que o problema não é que o BC não tenha autonomia para gerir a política monetária. Isso não está em questão para a presidente Dilma Rousseff. Mas "há dúvidas reais" sobre se o aumento da Selic é que de fato vai controlar a inflação, fortemente concentrada nos preços dos alimentos e de serviços.
Até fevereiro, a inflação acumulada em 12 meses é de 6,31% e, em março, superará o teto da meta (6,5%). Nos últimos meses, a pressão sobre os preços só piora e o índice de difusão (dessazonalizado) de fevereiro foi tão forte quanto o de janeiro. O governo nega que haja um processo de descontrole inflacionário. Mas a cada dia fica maior o risco de a inflação, este ano, não ser ao menos menor do que os 5,84% do ano passado.
D; eixou de ser tabu e começa a ser mencionada com certa naturalidade a possibilidade de o governo vir a propor a mudança de duas leis que estariam atrapalhando a vida da Petrobras: a que exige índices de nacionalização de até 55% nas encomendas da companhia estatal; e a que obriga a empresa a ter participação de pelo menos 30% em todas as fases de exploração do pré-sal.
Em uma primeira manifestação do constrangimento que representa o índice de nacionalização para a suas encomendas, a Petrobras pediu à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a redução dessa exigência para uma série de equipamentos e produtos que serão necessários para viabilizar a exploração e desenvolvimento da produção nas áreas oferecidas na 11ª rodada de licitações, prevista para maio. O argumento da empresa é de que a indústria nacional não terá condições de cumprir o percentual mínimo de conteúdo nacional.
De acordo com o pré-edital da agência reguladora, é de 10% o índice de nacionalização exigido para o afretamento de sondas para águas profundas e rasas; no caso da exploração em terra, ele pode subir para 90%. Embora a ANP não tenha acatado o pedido da companhia, o assunto não morreu. Ao contrário, começou a ser abordado por fontes graduadas do governo como algo que terá que ser enfrentado mais adiante. Provavelmente não este ano nem no próximo, com a campanha pela reeleição já nas ruas, mas este deverá ser um tema a ser tratado em um eventual segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
Consultada, a Petrobras informou que a carta à ANP é "pontual" e que a companhia não questiona a mudança do índice de nacionalização, assim como não discute uma alteração na lei que definiu a cessão onerosa. Esses são assuntos de governo.
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