O GLOBO - 15/03
O grande desafio que a Igreja Católica enfrenta é a redução do percentual de fiéis no mundo. No Brasil, a tendência ao declínio tem sido constante. Eram 83%, em 1991, e caíram para 64%, em 2010. Em 1970, eram 92% dos brasileiros. Mesmo assim, ainda são 123 milhões. Em 30 anos, os evangélicos saíram de 6,6% para 22,2%. Os sem religião aumentaram de 4,7%, em 1991, para 8%.
O novo Papa começou com vários acertos. O nome é bonito e significativo. Inclinar-se para pedir ao povo que rezasse a Deus por ele reduziu a distância entre o Sumo Pontífice e os fiéis. Afinal, o catolicismo se refere ao papa como "Santo Padre" e ao cargo como "o trono de Pedro".
Mas "fim do mundo" é uma questão de ponto de vista. Para nós, brasileiros, a Argentina fica ao lado. Para Roma, a América Latina sempre foi o fim do mundo, de onde nunca havia saído antes um papa em toda a história da região, integrada ao mundo católico desde que chegaram as primeiras missões jesuítas. De qualquer maneira, suas primeiras palavras mostram o esforço da busca da empatia de comunicador, distante desde a morte de João Paulo II.
Quem viveu os anos das ditaduras latino-americanas, opondo-se aos regimes militares, sabe a diferença da Igreja no Brasil e na Argentina. Aqui, tinha-se Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns e tantos outros menos conhecidos que povoavam paróquias pelo Brasil afora protegendo presos políticos ou ajudando-os a curar as cicatrizes emocionais das temporadas em prisões. Não era toda assim, mas a História registra grandes marcos, como a missa por Vladimir Herzog. Para a Sé, os brasileiros, de qualquer religião, correram para manifestar seu sentimento de repúdio ao crime. A Igreja da Argentina não dava aos católicos de lá o mesmo acolhimento e, como O GLOBO mostrou ontem nos textos da correspondente Janaína Figueiredo e no do sempre brilhante José Casado, sombras sobrevoam o passado da Igreja argentina.
O Brasil costuma se apresentar como país mais católico do mundo, mas aqui as mulheres dessa religião continuaram indo às missas ou cumprindo com seus filhos os rituais de batismo e primeira comunhão ao mesmo tempo em que descumpriram a orientação da Igreja na questão da contracepção. Os meios disponíveis de evitar a gravidez, condenados pela Igreja, foram solenemente ignorados, e o Brasil fez em cinco décadas uma brutal queda do índice de fecundidade.
Os casos de pedofilia aconteceram em todo o mundo e nunca foram enfrentados com a coragem necessária de uma instituição que precisa punir esse crime hediondo e impedir que ele se repita. Esse é um dos vários desafios de Francisco.
No Brasil, onde desembarca em julho para a Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco tentará combater o que as estatísticas mostram: a queda do percentual de fiéis, que é mais intensa em algumas regiões, como o Norte, por exemplo, e entre os mais pobres.
A Igreja Católica não tem dois mil anos por acaso. Ela sempre soube mudar sem mudar. Combateu descobertas científicas do século XV, mas depois se adaptou ao fato de que a Terra se move. Tentou manter o poder secular, mas, derrotada, reformulou-se como um reinado supranacional de poder intangível. Desafiada pela Reforma Protestante, corrigiu erros mais explícitos apontados pelos dissidentes. No século XX, algumas encíclicas tentaram atualizar o pensamento social da Igreja. Vamos ver o que faz do seu reinado um argentino, filho de pais italianos, que escolheu o nome Francisco, morava em acomodações modestas, mas agora, instalado em palácios, viverá rotina nada franciscana.
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