O GLOBO - 12/09
A capital que entrevi pela primeira vez é sofisticada, bonita e orgulhosa das suas tradições culturais
Gosto de viajar com o dever de casa bem feito, mas, desta vez, o convite veio em cima da hora, e não tive tempo de ler sequer o mais simples dos guias de viagem. Quando embarquei para Bogotá, na segunda-feira da outra semana, tudo o que eu sabia sobre a Colômbia se resumia a meia dúzia de nomes, nem todos necessariamente recomendáveis: Gabriel García Márquez, Botero, Pablo Escobar, Farc, Cartel de Medellín, Bogotazo... Pouco, vergonhosamente pouco, sobretudo para alguém que acha que o mundo inteiro tem a obrigação de saber que a capital do Brasil não é Buenos Aires.
A surpresa começou já no aeroporto. Para quem está habituado aos aeroportos brasileiros, o El Dorado é um sério choque de humildade. É o terceiro da América Latina em movimento, atrás apenas de Guarulhos e do aeroporto da Cidade do México, mas nem se compara com Guarulhos nos demais quesitos. Novo, espaçoso, bonito, tinindo de limpo, é também tudo o que o Galeão não é. E isso é o que a gente vê na chegada; na saída, ainda descobre um free shop de primeiro mundo, daqueles de torcer pelo atraso do avião.
No caminho para o hotel, entrevi parques, árvores, prédios de tijolinho, calçadas limpas. Poucos outdoors, letreiros discretos nas lojas, pouca propaganda de modo geral. Quando cheguei, já estava convencida de que ia gostar muito mais daquela cidade do que jamais teria imaginado; quando parti, cinco dias depois, vim cheia de saudades, com muita vontade de voltar logo à Colômbia, dessa vez como turista, para passear com calma por Bogotá, ir a todos os museus e bibliotecas, conhecer as outras cidades e provar as muitas comidinhas que não tive tempo de experimentar. A capital que entrevi é sofisticada, bonita e orgulhosa das suas tradições culturais.
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Bogotá é enorme. Tem quase oito milhões de habitantes, e todos os contrastes daí decorrentes. Mas tem uma característica toda sua, muito especial, que deu grande inveja a esta carioca: a educação das pessoas. Nos restaurantes, é impossível saber sobre o que conversam as mesas ao lado; nas ruas, as pessoas que trocam ideias estão, em geral, do mesmo lado da calçada, e próximas umas às outras; ninguém fala aos berros, muito menos pontuando a conversa com palavrões.
Os colombianos com quem entrei em contato, sem exceção, foram atenciosos e gentis num grau que eu já não me lembrava que existia. Logo no primeiro dia, deixei as malas no quarto e saí para passear pela vizinhança. Não levei mapa e me perdi. Perguntei a três rapazes que conversavam de pé numa esquina se sabiam onde ficava o hotel. Os três imediatamente se dispuseram a me levar, e lá fui eu, escoltada pelos meus novos amigos. Andamos cerca de um quarteirão. Quando chegamos, eu já tinha dicas de restaurantes, lojas e barzinhos para um mês inteiro.
Um rapaz me ofereceu o lugar num ônibus lotado; uma menina me ofereceu o lugar no ônibus do aeroporto que conduziu os passageiros para o avião, parado em posição remota.
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Até outro dia, a Colômbia era dada como um caso perdido. Era uma das principais produtoras de drogas do mundo e vítima de uma guerrilha que transformava a vida das suas cidades em autênticos pesadelos. Custa crer que, cerca de uma década depois, esse cenário é (quase) passado. O governo de Álvaro Uribe fechou o cerco contra o narcotráfico, isolou as Farc (que hoje têm rejeição de mais de 90% dos colombianos) e, paralelamente, criou programas sociais para as crianças e os jovens que, antes, eram recrutados pelos traficantes.
Ainda há violência em Bogotá, como em toda grande cidade, mas nada que se compare com o que enfrentamos no Rio ou em São Paulo. É claro que, para não correr riscos desnecessários, valem as regras básicas do bom senso: não sair com joias pesadas, vigiar os seus pertences, evitar certas zonas à noite. Coisas naturais que qualquer turista esperto faz em Londres, Nova York ou Paris. Parece também que não se deve pegar táxi a esmo, na rua; só telefonando ou chamando através de um aplicativo para smartphone. Mas quando precisei de taxi, sozinha, peguei mesmo os que iam passando e não tive problema, a não ser fazer os motoristas entenderem aonde eu queria ir. Portunhol não é a opção ideal de comunicação com os taxistas locais.
Por falar em táxi: eles são baratos, mas dispensáveis. Bogotá tem um ótimo sistema de transporte público, o TransMilenio, em que ônibus articulados funcionam em faixas seletivas com a rigidez e a regularidade de trens de metrô. Não cheguei a usá-lo, mas os bogotanos são unânimes nos elogios, e gostam de apontar que a ideia foi exportada, com sucesso, para diversas outras cidades, de Amsterdam a Seul. Já os ônibus comuns são tão indisciplinados quanto as nossas vans: não têm pontos fixos e param em qualquer lugar, o que é prático para os passageiros mas desastroso para o trânsito, que, sobretudo no Centro, é uma calamidade. O que salva o direito de ir e vir dos bogotanos são os mais de 350 quilômetros de ciclovias, amplamente utilizados.
O espaço da coluna termina, e eu nem falei ainda da comida deliciosa, do artesanato irresistível, das lojas de sucos, das frutas que só eles têm e do tanto que há para ver, comprar e provar. Fica para outro dia. E, sobretudo, fica a dica: a Colômbia é logo ali.
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