quinta-feira, setembro 12, 2013

Depois da ameaça, a negociação - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 12/09

Se Bashar Assad puder ser levado a uma mesa de negociação, vale a pena esperar em vez de ordenar um ataque à Síria

Depois de uma semana em que a intervenção militar norte-americana na Síria era praticamente certa, as potências internacionais mergulharam em uma série de reuniões de negociação que parece não terminar tão cedo. Ontem, a Rússia entregou aos norte-americanos um plano de controle de armas químicas na Síria. Hoje, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, deve se encontrar com seu colega russo, Sergei Lavrov, na Suíça, e dessa reunião dependem os passos que serão tomados pelo Conselho de Segurança da ONU.

A Rússia, aliada incondicional do ditador Bashar Assad, barrou várias vezes no Conselho de Segurança sanções que poderiam enfraquecer o líder sírio, que enfrenta há dois anos uma revolta que se transformou em guerra civil e matou mais de 100 mil pessoas, segundo a ONU. No entanto, em uma reviravolta incomum na diplomacia mundial, são justamente os russos que podem emergir como “pacificadores” ao levar a sério o que parecia ser quase uma ironia de Kerry. Na segunda-feira, quando os ânimos ainda estavam exaltados (embora menos que na semana passada), o secretário de Estado norte-americano disse em uma entrevista que, se Assad entregasse logo seu arsenal químico para ser destruído, quem sabe o presidente Barack Obama não ordenaria o “ataque punitivo” – para acrescentar, logo depois, que considerava tal concessão por parte de Assad inverossímil.

Talvez a observação de Kerry (que, depois, afirmou que só disse o que disse porque ele e Obama já tinham discutido a possibilidade) indicasse que ele havia percebido o alcance do que acabara de dizer. Os russos certamente perceberam, e aproveitaram a deixa: Lavrov levou a sugestão aos sírios, que por sua vez concordaram, e é nessas bases que todos parecem estar discutindo agora. O chanceler sírio, Walid Muallen, afirmou que a Síria estaria até mesmo disposta a assinar a Convenção Internacional para a Proibição de Armas Químicas.

Que houve um ataque com armas químicas em Damasco no dia 21 de agosto já parece incontestável. No entanto, a controvérsia sobre sua autoria segue muito forte. Assad negou e continua negando qualquer ligação com as mortes de centenas de pessoas provocadas por gás sarin. Ontem, uma comissão da ONU sobre a situação na Síria divulgou um relatório no qual afirma que o governo sírio cometeu “crimes contra a humanidade” e os rebeldes, “crimes de guerra”. O texto menciona as acusações de uso de armas químicas, mas acrescenta que, “com base nas provas atualmente disponíveis, não foi possível chegar a uma conclusão sobre os agentes químicos utilizados, seu sistema vetor ou os autores desses atos. As investigações continuam” – no entanto, o relatório se refere a um período anterior ao ataque de agosto.

O governo norte-americano iniciou os preparativos para um ataque alegando que havia provas suficientes do envolvimento de Assad no uso de armas químicas. Ainda anteontem, Obama disse, em pronunciamento, “não haver dúvidas” de que o ataque químico era obra do governo. Mas o recuo atual parece conveniente, dada a oposição considerável da opinião pública à intervenção americana, a falta de consenso nas organizações internacionais e a ausência de aliados importantes, como o Reino Unido, onde o Parlamento vetou o envolvimento do país na ação.

Deixar de lado o ataque envolve um risco importante: a desmoralização da política da “linha vermelha” que não podia ser cruzada sob pena de uma retaliação militar. Se Assad realmente foi o responsável pelo uso de armas químicas, e se a solução russa funcionar, evitando o ataque, o ditador terá cruzado a tal linha sem pagar o preço. No entanto, nas circunstâncias atuais, os riscos de uma ação norte-americana são muito maiores que os da solução negociada. Se Assad puder ser levado a uma mesa de negociação, vale a pena esperar. Mas não deixa de ser curioso que Vladimir Putin, um ex-agente da KGB que governa seu país de modo muito pouco democrático, possa virar o responsável por evitar que Obama se torne o primeiro Nobel da Paz a ordenar uma ação militar contra um outro país.

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