O Estado de S.Paulo - 12/09
Continuando sua cruzada contra o bom senso econômico e as boas normas de política fiscal, a presidente Dilma Rousseff insiste na manutenção da cobrança de 10% de multa sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nos casos de demissão sem justa causa. Lei aprovada pelo Congresso declarou extinta essa multa. A presidente vetou essa lei e agora tenta mobilizar a base aliada para evitar a derrubada do veto. Esse foi um dos temas de reuniões, nesta semana, com líderes da base no Parlamento. Segundo o governo, a derrubada do veto causará uma perda de até R$ 3,6 bilhões por ano ao programa Minha Casa, Minha Vida. A ideia é manter esse dinheiro disponível para o programa e, para isso, o Executivo poderá enviar um projeto ao Legislativo. Essas alegações são autodestruidoras.
A multa foi instituída em 2001 para um objetivo bem definido: compensar o rombo causado pela indenização às pessoas prejudicadas pelos Planos Verão e Collor 1. Essa finalidade foi alcançada no ano passado, segundo informaram oficialmente os gestores do FGTS, e em julho se poderia extinguir aquela cobrança. Congressistas aprovaram a extinção um ano depois, mas a cúpula do Planalto decidiu rejeitar essa decisão, porque o governo se tornara dependente de uma receita fiscal com validade vencida.
Tentando manter essa receita para outro fim, a presidente cobra do Parlamento, de fato, a instituição de um novo tributo. Talvez ela nem perceba esse detalhe, mas o fato é esse: com a nova destinação, altera-se a natureza da multa. A ideia de simplesmente prorrogar a cobrança com uma justificativa diferente é mais uma aberração, um digno complemento da contabilidade criativa e de outras anomalias fiscais deste governo.
Mas essa aberração é parte de um pacote de más ideias. A presidente propõe mais uma vinculação de receita, ao defender a destinação obrigatória da multa a um programa habitacional. Os brasileiros têm longa experiência com vinculações orçamentárias e já deveriam ter aprendido algo útil sobre o assunto. Se verbas carimbadas fossem uma garantia de bons resultados, estudantes alcançariam resultados muito melhores nos testes internacionais de língua, matemática e ciências naturais. Além disso, o analfabetismo funcional - atributo de cerca de um quinto das pessoas com idade igual ou superior a 15 anos - seria um problema bem menos grave do que é.
Verbas com destinação obrigatória também teriam garantido, se realmente garantissem alguma coisa, condições de saúde muito melhores. O governo teria aplicado muito mais dinheiro, e com mais eficiência, em programas de saneamento básico e de assistência médica.
Não há, no entanto, nenhuma relação necessária entre a alocação obrigatória de recursos e os resultados obtidos. A experiência brasileira aponta uma realidade muito diferente: na prática, a verba vinculada torna dispensáveis bons planos, bons programas e competência na prestação de serviços, além de facilitar a corrupção.
Vinculação é um dos sonhos de ministros incompetentes ou preguiçosos, porque os libera de apresentar boas ideias e resultados bons para justificar a sua demanda de recursos. Quem tem verbas garantidas pode imprimir e distribuir centenas de milhares de manuais de baixa qualidade e ainda apregoar a ideologia do analfabetismo: para que complicar, quando "os menino pega os peixe" soa tão bem?
Mas a presidente propõe mais vinculações e para isso tem o apoio de muita gente no Congresso e na liderança de movimentos sociais. Algumas ideias, como a de aplicar 10% da receita corrente bruta da União em saúde, podem ser incômodas para o Executivo, mas o princípio é geralmente aceito. Daí a contraproposta de repasse, em até dois anos, de 15% da receita líquida. Os números são diferentes, mas a concepção básica é a mesma.
O equívoco domina a discussão sobre verbas. O Executivo propõe vinculações para as emendas de parlamentares, em vez de tentar racionalizar o debate. Mas como pensar em racionalidade quando se aprova, com aplauso presidencial, o duplo carimbo - educação e saúde - dos royalties do petróleo?
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