FOLHA DE SP - 12/09
Roteiro do escândalo no Ministério do Trabalho é parecido com o da 'faxina' ministerial de 2011
NA DERRUBADA de ministros de 2011, três deles começaram a cambalear devido a rolos com ONGs em seus ministérios: Esporte, Trabalho e Turismo. Nesta temporada, o Ministério do Trabalho balança devido a um rolo com ONG.
Na derrubada de 2011, mais tarde conhecida como "faxina da Dilma", ministros cambaleantes alardeavam fortaleza no cargo com frases que, pouco mais tarde, seriam seus epitáfios ridículos.
O então ministro do Trabalho, Carlos Lupi, dizia, antes de cair: "Só saio abatido a bala. E uma bala forte, porque sou pesadão". Wagner Rossi, da Agricultura, imaginava-se "firme como uma rocha". Orlando Silva, do Esporte, "indestrutível".
O agora ministro do Trabalho, Manoel Dias, aparentemente mais modesto, apresentou apenas o que se pode chamar de álibi político indireto (o ministro não é acusado de nada pela polícia): "Em qualquer lugar tem irregularidades, não só no Ministério do Trabalho".
O ministro foi vago a respeito de "qualquer lugar". Mas o pronome indefinido em questão serve para que façamos generalizações, o que deve incluir "qualquer lugar" do governo também. Se irregularidade "tem em qualquer lugar", por que haveríamos de ter preconceito com o Ministério do Trabalho? É um álibi indireto. A presidente teria gostado do argumento?
Dada a recorrência de bandalheiras, a presidente decretou em 2011 operação pente-fino no governo, uma tentativa de colocar ordem na administração e na fiscalização descabeladas dos contratos com as ONGs.
Pois então. Ontem, o Ministério do Trabalho anunciava uma portaria para, adivinhem, passar um pente-fino em contratos e prestações de contas das ONGs.
Desde 99, ao menos, milhares de ONGs e assemelhados recebem ao ano uns R$ 3 bilhões. "Uns", pois por muito tempo (e ainda um tanto agora) a contabilidade era confusa e não havia definição certeira de "ONG".
O governo não consegue fiscalizar as obras atrasadas das poucas concessões de infraestrutura para empresas privadas. Não consegue fiscalizar nem as incompetências grossas de estatais enormes e departamentos gigantes de ministérios (vide as trapalhadas ridículas, embora revoltantes, no setor de transmissão de energia, obras estatais de estradas e rodovias).
Por que o governo haveria de conseguir fiscalizar milhares de ONGs? Por que deveria pendurar tantas no Orçamento, para início de conversa?
Alguns serviços estatais que exigem capilaridade podem demandar o serviço de entidades locais. Por exemplo, alfabetizar adultos mais idosos em localidades mais remotas ou sem capacidade administrativa.
Mas por que o governo precisa de ONGs para treinar jovens, distribuir remédios, camisinhas ou material esportivo para estudantes? Porque o sistema de saúde é ruim, porque a escola é ruim, porque o governo é inepto, grande demais e atua no lugar errado.
Por que tanta ONG é esquisita, de origem duvidosa, convenientemente ligada a gente do partido, da amizade ou da família do burocrata-mor do setor?
Não, as ONGs não são o maior ralo de dinheiro público. Algumas podem ser úteis. Mas o rolo recorrente com tais entidades indica pelo menos que: 1) o governo, não apenas este, não funciona; 2) o modelo de contratar ONGs em massa morreu de podre.
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