CORREIO BRAZILIENSE - 12/09
A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença
Da fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao tomar posse anteontem como membro da Academia Brasileira de Letras, o que mais ecoou nas mídias foi a parte final, em que louvou a ainda nascente democracia, mas fez advertências graves sobre suas disfuncionalidades, que vêm frustrando uma sociedade civil mais exigente, beneficiada pelo novo acesso à informação, levando às ruas cidadãos "economicamente integrados, mas politicamente insatisfeitos" com governos e instituições. Destaque natural, por conta da trajetória política dele e do momento singular que vivemos. Mas o todo, foi além.
À vontade dentro do fardão, admitindo certo estranhamento com os ritos, mas destacando a importância deles na Cultura - o que teria aprendido com a "ilustre antropóloga" com quem foi casado, Ruth Cardoso -, FH fez um discurso monumental, erudito, mas não pernóstico, que não deixou dúvidas sobre as razões de sua escolha. A Academia, dizia Joaquim Nabuco em carta a Machado de Assis, segundo contou o acadêmico Celso Lafer em sua afetuosa, mas densa saudação, não devia abrigar apenas grandes nomes da literatura em seus diversos gêneros, mas também os maiores de seu tempo, em diferentes áreas do pensamento e da ciência.
Algo que o próprio FH realçou, ao começar falando dos que o antecederam na cadeira 36: Afonso Celso (intelectual, poeta e político), Clementino Fraga (médico), Paulo Carneiro (químico e diplomata), José Guilherme Merquior (filósofo) e João Scatimburgo (escritor). De seu perfil político e intelectual, mas não artístico, ele mesmo falou no início, revelando, talvez, um imperceptível incômodo com registros a este respeito, pelos que entendem a Academia apenas como casa de literatos. Revisitou brevemente suas raízes familiares, mencionando o pai, tios, avô e bisavô que, desde o Império, atuaram na vida militar e política do país em construção.
Discorreu depois, mais longamente, sobre suas duas vidas mais reluzentes, a de sociólogo e a de político. À primeira, foi levado pelo desejo de compreender e ajudar a mudar o Brasil. Falou dos autores que o influenciaram (tantos, além de Marx e Weber) e dos mestre que teve na USP, como Florestan Fernandes, Antonio Cândido e Roger Bastide. Não fez lista de seus 23 livros, mas contextualizou a produção dos principais trabalhos, como Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridicional e o clássico Dependência e Desenvolvimento na América Latina, com Enzo Faleto. Como intelectual, reiterou, buscou aliar conhecimento à prática, fiel ao binômio igualdade e liberdade. Esta busca o fez senador, ministro, presidente. "Desenvolvimento, democracia, liberdade e igualdade foram minha obsessão. A esses objetivos dediquei meus esforços como intelectual e tentei alcançá-los em minha prática política." Defendeu a livre iniciativa, mas também a atuação do Estado na questões que o mercado não resolverá.
Elegante, tangenciou a luta política, mesmo contra a ditadura, mas lançou algumas farpas. Falou do Real como primeiro passo civilizatório e das políticas sociais iniciadas em seu governo. Reconheceu que foram ampliadas "por governos que me sucederam", com aumentos contínuos para o salário mínimo e políticas compensatórias, "as famosas bolsas", permitindo avanços na redução da desigualdade. "Isso não começou há 10 ou 20 anos, começou muito antes", disse em clara referência ao discurso do PT sobre seus feitos no poder. Só então, falou dos perigos que rondam democracia, como a apropriação da insatisfação por grupos violentos por autocracias falsamente democráticas. Uma aula, reverencialmente ouvida. A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença.
Suspense no STF
Ficou para hoje a decisão crucial do Supremo, no julgamento do mensalão, sobre a pertinência dos embargos infringentes, que poderão permitir, se acolhidos, a reconsideração das penas dos réus absolvidos, em alguns crimes, por pelo menos quatro ministros. O placar provisório de ontem, de 4 a 2 a favor da validade dos recursos, dá a medida do dilema da Corte. Rejeitando-os, contentará os que cobram a consumação do julgamento, ansiosos por ver punhos ilustres algemados. Admitindo-os, atenuará o estigma de ter realizado um julgamento excepcional, como disseram em carta aberta lançada ontem alguns luminares do meio jurídico. Negando os recursos, disseram eles, o tribunal "não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas, sim, coroando um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressões políticas e midiáticas".
Mas, no plenário, as armas continuarão sendo os argumentos técnicos sobre a prevalência do regimento, onde tais embargos estão previstos, ou da posterior Lei nº 8.030, que instituiu procedimentos para o STF e o STJ, calando-se sobre eles. A omissão revogou ou manteve a norma regimental? Teria o regimento força de lei, como pensam Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Dias Toffoli, os que votaram pelo acolhimento? Mas, ao abrir a dissidência em relação a voto contrário do relator Joaquim Barbosa, o que disse Barroso, de mais eloquente, foi que não encontrou nos anais questionamento anterior sobre a validade de tais recursos, só agora levantada, provocando uma crispação facial em Barbosa.
Na véspera, os conhecedores da Corte diziam que tudo dependeria do voto dos dois ministros recentes, Barroso e Teori, e das duas ministras, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que têm grande afinidade jurídica. Os dois votaram a favor, seguidos por Rosa. Cármem ainda não se posicionou. Como o ministro Ricardo Lewandowski já externou posição favorável, e o ministro Gilmar Mendes, posição contrária, as grandes especulações são em relação a Celso de Mello e Marco Aurélio. O decano Celso já expressou entendimento de que os infringentes vigoram, durante o julgamento. Mas como tem sido especialmente duro, afastando-se de sua histórica posição "garantista", vai negar o que já disse? Marco Aurélio fez um aparte aparentemente restritivo ao voto de Barroso, mas é certo seu incômodo com a dosimetria adotada em alguns casos, produzindo penas que considera exorbitantes.
À vontade dentro do fardão, admitindo certo estranhamento com os ritos, mas destacando a importância deles na Cultura - o que teria aprendido com a "ilustre antropóloga" com quem foi casado, Ruth Cardoso -, FH fez um discurso monumental, erudito, mas não pernóstico, que não deixou dúvidas sobre as razões de sua escolha. A Academia, dizia Joaquim Nabuco em carta a Machado de Assis, segundo contou o acadêmico Celso Lafer em sua afetuosa, mas densa saudação, não devia abrigar apenas grandes nomes da literatura em seus diversos gêneros, mas também os maiores de seu tempo, em diferentes áreas do pensamento e da ciência.
Algo que o próprio FH realçou, ao começar falando dos que o antecederam na cadeira 36: Afonso Celso (intelectual, poeta e político), Clementino Fraga (médico), Paulo Carneiro (químico e diplomata), José Guilherme Merquior (filósofo) e João Scatimburgo (escritor). De seu perfil político e intelectual, mas não artístico, ele mesmo falou no início, revelando, talvez, um imperceptível incômodo com registros a este respeito, pelos que entendem a Academia apenas como casa de literatos. Revisitou brevemente suas raízes familiares, mencionando o pai, tios, avô e bisavô que, desde o Império, atuaram na vida militar e política do país em construção.
Discorreu depois, mais longamente, sobre suas duas vidas mais reluzentes, a de sociólogo e a de político. À primeira, foi levado pelo desejo de compreender e ajudar a mudar o Brasil. Falou dos autores que o influenciaram (tantos, além de Marx e Weber) e dos mestre que teve na USP, como Florestan Fernandes, Antonio Cândido e Roger Bastide. Não fez lista de seus 23 livros, mas contextualizou a produção dos principais trabalhos, como Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridicional e o clássico Dependência e Desenvolvimento na América Latina, com Enzo Faleto. Como intelectual, reiterou, buscou aliar conhecimento à prática, fiel ao binômio igualdade e liberdade. Esta busca o fez senador, ministro, presidente. "Desenvolvimento, democracia, liberdade e igualdade foram minha obsessão. A esses objetivos dediquei meus esforços como intelectual e tentei alcançá-los em minha prática política." Defendeu a livre iniciativa, mas também a atuação do Estado na questões que o mercado não resolverá.
Elegante, tangenciou a luta política, mesmo contra a ditadura, mas lançou algumas farpas. Falou do Real como primeiro passo civilizatório e das políticas sociais iniciadas em seu governo. Reconheceu que foram ampliadas "por governos que me sucederam", com aumentos contínuos para o salário mínimo e políticas compensatórias, "as famosas bolsas", permitindo avanços na redução da desigualdade. "Isso não começou há 10 ou 20 anos, começou muito antes", disse em clara referência ao discurso do PT sobre seus feitos no poder. Só então, falou dos perigos que rondam democracia, como a apropriação da insatisfação por grupos violentos por autocracias falsamente democráticas. Uma aula, reverencialmente ouvida. A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença.
Suspense no STF
Ficou para hoje a decisão crucial do Supremo, no julgamento do mensalão, sobre a pertinência dos embargos infringentes, que poderão permitir, se acolhidos, a reconsideração das penas dos réus absolvidos, em alguns crimes, por pelo menos quatro ministros. O placar provisório de ontem, de 4 a 2 a favor da validade dos recursos, dá a medida do dilema da Corte. Rejeitando-os, contentará os que cobram a consumação do julgamento, ansiosos por ver punhos ilustres algemados. Admitindo-os, atenuará o estigma de ter realizado um julgamento excepcional, como disseram em carta aberta lançada ontem alguns luminares do meio jurídico. Negando os recursos, disseram eles, o tribunal "não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas, sim, coroando um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressões políticas e midiáticas".
Mas, no plenário, as armas continuarão sendo os argumentos técnicos sobre a prevalência do regimento, onde tais embargos estão previstos, ou da posterior Lei nº 8.030, que instituiu procedimentos para o STF e o STJ, calando-se sobre eles. A omissão revogou ou manteve a norma regimental? Teria o regimento força de lei, como pensam Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Dias Toffoli, os que votaram pelo acolhimento? Mas, ao abrir a dissidência em relação a voto contrário do relator Joaquim Barbosa, o que disse Barroso, de mais eloquente, foi que não encontrou nos anais questionamento anterior sobre a validade de tais recursos, só agora levantada, provocando uma crispação facial em Barbosa.
Na véspera, os conhecedores da Corte diziam que tudo dependeria do voto dos dois ministros recentes, Barroso e Teori, e das duas ministras, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que têm grande afinidade jurídica. Os dois votaram a favor, seguidos por Rosa. Cármem ainda não se posicionou. Como o ministro Ricardo Lewandowski já externou posição favorável, e o ministro Gilmar Mendes, posição contrária, as grandes especulações são em relação a Celso de Mello e Marco Aurélio. O decano Celso já expressou entendimento de que os infringentes vigoram, durante o julgamento. Mas como tem sido especialmente duro, afastando-se de sua histórica posição "garantista", vai negar o que já disse? Marco Aurélio fez um aparte aparentemente restritivo ao voto de Barroso, mas é certo seu incômodo com a dosimetria adotada em alguns casos, produzindo penas que considera exorbitantes.
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