O Estado de S.Paulo - 12/09
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, fez na terça-feira uma advertência à área do euro que também serve ao Brasil, que não tem os vícios de DNA do bloco, mas, em certo sentido, enfrenta efeitos semelhantes.
Lagarde avisou que a falta de união fiscal deixa o euro vulnerável às crises: "É um belo navio para águas suaves; não está concluído para águas turbulentas".
Na década de 90, os pais do euro sabiam das deficiências estruturais do navio: sabiam que construíam uma união monetária (moeda única com um banco central único) sem união fiscal e sem união política. Cada pedaço do navio cresce ou decresce de um jeito e desequilibra tudo. Cada sócio do euro tem seu sistema tributário e opera com subsídios e orçamentos desiguais entre si. Embora o câmbio seja o mesmo, os salários e benefícios sociais variam. Mais que tudo, o conjunto não conta com vontade política para unificar as condições do bloco. Foi assim desde o começo, mas os pais do euro acreditavam em que, nas primeiras sacolejadas, as lideranças atuais ou futuras criariam condições políticas para dar consistência ao projeto. Ainda não foi o que aconteceu, apesar das enormes turbulências que sacudiram o euro a partir de 2008.
O navio brasileiro também padece de graves problemas estruturais. É bom para navegar em águas mansas, mas não aguenta mar brabo.
Enquanto a China cresceu a mais de 10% ao ano e criou condições excepcionais de mercado para as commodities aqui produzidas; enquanto sobraram capitais ao redor do mundo; enquanto a indústria pôde contar com mão de obra farta e barata, a economia cresceu mais de 4% ao ano e as contas externas brilharam. Foi essa belezura que passou ao então presidente Lula a sensação de que a crise de 2008 chegava às nossas praias "como uma marolinha".
No entanto, ainda no final do governo Lula e ao longo do governo Dilma, bastou que o tripé até então vencedor (responsabilidade fiscal, inflação na meta e câmbio flutuante) fosse flexibilizado para que o navio adernasse.
A mera perspectiva de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) comece a reverter sua política monetária altamente expansionista provocou a disparada indesejável das cotações do dólar em reais, a inflação aponta para a altura dos 6% ao ano e as contas externas caminham rapidamente para um rombo da ordem de 4,0% do PIB. Ondas externas mais agitadas mostraram que o barco nacional não aguenta choques. Ou em linguagem dos imunologistas, está muito vulnerável a contágios.
Embora o neguem, as autoridades do governo Dilma, inclusive ela própria, parecem conscientes do problema, convencidos de que a economia precisa de ajustes para que possa voltar a crescer mais de 3% ao ano e para que a inflação seja reconduzida à meta sem forçar demais a política de juros.
Mas, assim como ocorre na área do euro, onde falta vontade política para correções estruturais, aqui também falta coragem para as reformas e para a volta de uma administração fiscal equilibrada, porque o governo está engajado na campanha eleitoral e teme o preço do ajuste. A principal consequência é que o desempenho da economia depende excessivamente de ótimas condições de navegação e isso governo nenhum controla.
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