FOLHA DE SP - 01/09
Roger Pinto recebeu o privilégio de uma liberdade que o governo brasileiro precisaria ter explicado
Se o senador boliviano Roger Pinto é "considerado imigrante comum" pelo governo brasileiro, é porque tem permanência no Brasil sem restrições legais. Mas o senador não a tem. Tanto que solicita a condição de refugiado, e seu motivo para isso é bastante eloquente: a Interpol tem um pedido do governo boliviano para capturá-lo como condenado por corrupção.
O senador Roger Pinto também não é asilado. O asilo que lhe permitiu resguardar-se na embaixada brasileira perdeu validade ao deixá-la, como é próprio desse denominado asilo diplomático. O asilo territorial, que vale como um visto de permanência, nem sequer está pedido pelo senador, cujo advogado considerou-o mais problemático do que a condição de refugiado, dada a necessidade de comprovar razão política para a concessão.
O senador Roger Pinto está, portanto, em situação idêntica à de Cesare Battisti no seu momento de notoriedade aqui. Não é imigrante comum, não é refugiado, não é asilado político e é condenado em fuga de seu país. Mas Cesare Battisti, que aqui serve para exemplificar incontáveis casos, foi preso pela Polícia Federal em razão da mesma presença sem amparo legal. E preso ficou até que Lula desprezasse a Justiça italiana e o liberasse da sentença por associação com quatro crimes de morte.
O senador Roger Pinto recebeu o privilégio de uma liberdade que o Ministério da Justiça brasileiro, ou o Planalto, precisaria ter explicado publicamente. Se pudesse. E quando o governo deu uma explicação esporádica, foi como o fez o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams: "O que o Conare decidir está decidido". O Conare, Comitê Nacional para os Refugiados, considerou fundada a extradição de Battisti pedida pela Justiça e pelo governo italianos, e Lula fez valer, com o benefício, a palavra final do presidente.
Agora, pelo menos soçobraram mais duas mentiras da história cabulosa de alegada fuga. Uma das razões do sofrimento do senador Roger Pinto no DOI-Codi do Itamaraty em La Paz, a considerar-se a explicação do diplomata Eduardo Saboia para trazê-lo, era estar impossibilitado até de receber visita da família. A filha residente em La Paz disse agora que visitava o pai todos os dias. Aliás, já se sabe que lhe levava pratos do seu especial agrado.
Para completar o isolamento, também a gravidade cardiopática do senador Roger Pinto foi fator da comoção caridosa do diplomata Eduardo Saboia. Indagada, a moça quis confirmar o mau estado de saúde do pai: "É, nos rins".
Nota do Ministério da Justiça boliviano, no começo da semana passada, referiu-se a "13 processos judiciais por atos de corrupção e uma condenação a um ano de prisão por dano econômico ao Estado" como culminâncias biográficas do senador Roger Pinto. Diante disso, só mesmo lembrando o que disse um jornalista que toca comentário em uma rádio: "Aquele senador sofrendo ali... Eu até entendo a atitude desse diplomata Eduardo. Foi, no sentido humano, muito correto".
Por essas é que não tenho dúvida do equívoco que se seguiu à vitória do deputado Natan Donadon na Câmara. Por que a indignação? Prevaleceu a coerência entre o resultado e o ambiente humano e político que o produziu. E, ainda maior, a coerência com uma sociedade em que a corrupção é ruim ou boa dependendo da exploração política que permita. O que também é uma forma de corrupção.
Um comentário:
O Houaiss diz:
CORRUPÇÃO: modificação, adulteração das características originais de algo.
Ex: corrupção de um texto.
Haja vista, que os repórteres estão constantemente sob forças exógenas, conclui-se:
Somos ingredientes de um "caldo de sopa corrupta ! ! "
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