O GLOBO - 01/09
Os olhos de Emma são lindos, de uma cor verde-cinza e com forma e tamanho muito harmônicos com o pedaço do rosto cuja pele está de fora
A moça do Black Bloc que aparece num vídeo da Mídia Ninja e na capa de “Veja”, que diz chamar-se Emma, é deslumbrantemente bonita com a máscara que só deixa à mostra os olhos. Isso não quer dizer que ela tenha apenas os olhos bonitos (o que muitas vezes é confundido com ter os olhos claros). Os olhos de Emma são lindos, de uma cor verde-cinza e com forma e tamanho muito harmônicos com o pedaço do rosto cuja pele está de fora. Muito harmônico também com as sobrancelhas, cujo arco está corrigido por depilação e talvez reforçado por leve pintura. Onde parece haver pintura (e, se for o caso, de cor e linhas muitíssimo bem escolhidas) é nas pálpebras. Falando para a câmera da Ninja, a borda das pálpebras junto às pestanas delineadas de negro, as jovens dobras do entorno de seus olhos parecem a um tempo escurecidas e cintilantes, sempre com insinuações douradas. Mas o que faz a gente crer tratar-se de uma bela mulher é a relação de tudo isso com a forma do rosto que está sob a máscara negra.
A gente tem vontade de ir ao acampamento em frente à casa de Cabral para falar com ela, mas respeita a exigência do grupo anarquista a que ela aderiu de não fazer de nenhum militante uma individualidade, sua vida pessoal devendo desaparecer sob a máscara e a ideologia. Por mais bonita que ela seja, os Black Blocs não estão aí para lançar celebridades midiáticas e figuras atraentes para olhares curiosos. A porta da casa de Cabral não é o portão do BBB. Emma é linda. O anarquismo é lindo. Mas eu sou um velho baiano que sonhou, aos 23, fuçar uma trans-esquerda ou uma ultra-esquerda e, como todo esse afã de trans e ultra estava focado em libertar a criação de canções no Brasil, terminei, na parte estritamente social e política, encontrando os valores do liberalismo como algo que merecia uma atenção que não vinha recebendo no ambiente em que eu me movia. Já contei em outro lugar como sonhava em ser uma esquerda à esquerda da esquerda e, no fim do processo, quase me tornei um liberal inglês. Tenho muita inveja de Ferreira Gullar, que foi de esquerda, sem fantasias ou delírios de ultra ou trans, e amadureceu para defender sem pejo muitos dos princípios liberais. E olha que ele já tinha experimentado tudo o que pode haver de trans e ultra na atividade poética e na crítica de arte.
Olho demoradamente os olhos, as sobrancelhas, algo da testa, o começo do nariz e um canto de fonte de Emma e me pergunto o que pensar. Ouço-lhe as palavras. Leio no blog de André Forastieri uma pergunta sobre as relações entre o Fora do Eixo e a candidatura de Marina Silva, inclusive sugerindo que o coletivo teria em mente indicar o ministro da Cultura, caso Marina se eleja. Um dos caras que quebraram o palácio do Itamaraty era cabo eleitoral de Marina. Esta o reprovou e o afastou. Mas, entre a beleza de Emma, a opção pela (deveras interessante) economia solidária, como alternativa à ideia de que só o esquema patrão-salário-empregado é livre, e as cenas de depredação protagonizadas pelos Black Blocs, meu coração e minha cabeça balançam: o antigo itinerário labiríntico que passa pela ultraesquerda e se encontra com o liberalismo se refaz em segundos. Mas, como digo na esquisita letra de “Um comunista”, “o samba” não crê em violência e guerrilha. Se Marina conseguir fazer sua campanha para a presidência, acho que não resistirei e votarei outra vez nela. Essa crítica à suposta naturalidade do trabalho assalariado como única forma possível de trabalho livre eu saquei do Mangabeira. Que não harmoniza muito com Marina. Mas harmoniza com a ambição experimental do Fora do Eixo. Que é “acusado” de estar perto demais de Marina.
É um momento muito embolado no cenário brasileiro. O 7 de Setembro vem com uma ameaça de risco de criação de instabilidade séria. Imagino como será em Brasília. Não que a decisão de não cassar o mandato de Donadon ajude. Mesmo assim, devemos manter a ideia de sair às ruas pela paz. Gosto do rosto de Emma, do livro de David Graeber (o antropólogo anarquista que Zé Miguel já citou como bom explicador das moedas alternativas do FdE), de Marina (e sua aproximação de André Lara Resende pode desagradar a alguém como Mangabeira, mas a mim não me desagrada: gosto de Lara Resende pelo que já fez na história do real e pelo artigo sobre crescimento em economia), e acho a proposta de Olavo de Carvalho de uma política (e não só uma economia) para os liberais muito presa à ideia de que o comunismo é como o diabo incansavelmente tramando contra o bem. Há boas intenções nos liberais e há boas intenções nos socialistas e comunistas. Embora ninguém duvide de que boas intenções podem levar ao inferno.
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