O Estado de S.Paulo - 01/09
Como nesses filmes imediatamente esquecíveis, a história começou num balcão de bar de hotel, em Paris, e foi terminar (se é que terminou)... bem, já veremos.
A brasileira, que se despedia da França após um doutorado em Psicologia, naquela noite amargava a decepção de um tratante que não dera as caras. Ele, essa entidade improvável que é um armador grego pós-Onassis, arrematava solitárias férias.
Entre os dois havia uns palmos de balcão - e a certa altura aconteceu enviesada troca de olhares, o suficiente para a moça suspeitar que ali estava um tipo interessante, e para ele se sentir estimulado a empurrar seu campari em direção ao vinho dela.
Seguiu-se um papo meio exangue, em língua inglesa, e a recém-doutora logo diagnosticou um caso de pedregosa timidez, sujeita a golfadas de rubor facial. Ainda assim, digno de atenção, e não apenas como objeto de investigação clínica... Quem sabe, fantasiou, não estaria ali um daqueles vulcões do Ne me Quitte Pas de Jacques Brel, supostamente aposentados mas capazes ainda de ereções eruptivas?
O papo, no entanto, não prosperou, pois o vulcão não emitiu mais que tênue fumacinha. Na despedida, ele esticou dedos gelados, tomou os dela e aplicou um beijo literalmente meia-boca. Troca, apenas de cartões.
De volta ao Rio, logo no primeiro dia o telefone chama - e era ele, a custo reconhecível numa inédita versão loquaz, a desenrolar veludos de prosa insinuante. Em vez de cair, ela subiu às nuvens. Um galanteador à antiga, nem por isso de se jogar fora, concluiu a doutora ao terminar, de orelha quente, o inebriante telefonema - ao qual se seguiriam outros, quinzenais, depois semanais, dali a pouco quase diários.
A corte deu-se também no front postal, pois o armador ancorou na caixa de correio, sob a forma de cartas caprichadas - que envelope! que papel! que caligrafia! -, às quais logo se incorporou o bonus track de poesia amorosa em variadas línguas, cuja temperatura erótica não demorou a alcançar a incandescência dos sonetos luxuriosos de Aretino, fazendo a destinatária corar de vergonha e excitação, esta mais do que aquela.
Resistir quem há de?, perguntava-se, rendida - e o armador parece ter adivinhado o incêndio que ateara lá embaixo, no Hemisfério Sul: num bote certeiro, convidou-a para duas semanas em Nova York, onde vivia. Ela ainda hesitou em aceitar o benigno presente de grego. Outra voz, porém, imperiosa, lhe subiu do coração e demais entranhas: Vai, boba! - e a boba foi.
No aeroporto, lá estava, brandindo flores, o generoso príncipe encantado. Encantado e emocionado: olhos úmidos, não foi capaz de gaguejar mais que meia dúzia de trivialidades no aconchego da interminável limusine em que rumaram para casa dele, num subúrbio de ricaços, limitando-se a estourar um champanhe e a lhe segurar a mão com os mesmos gélidos dedos de Paris.
Também sob silêncio transcorreu o jantar - jantar de filme, cada qual numa ponta da comprida mesa, garçons a destampar teatralmente os pratos. Mesmo com lareira, o clima não esquentou quando ele a tangeu para o salão de fumar. Mais tarde, levou-a até os aposentos que lhe havia destinado, beijou-lhe exclusivamente a mão e se retirou. Entre os lençóis, a brasileirinha esperou pelo momento em que a porta se abriria e o armador viria atracar a seu lado. Nada. Será, meu Deus, que tinha vindo de tão longe para encontrar um... um desses que enchiam seu consultório?! Seria muito azar!
E assim foi, dia após dia. De manhã, a caminho do escritório, ele ligava do carro, e era outra vez o menestrel a trinar doçuras e galanteios. De corpo presente, aquele estafermo. Ante tamanha inoperância, de nada adiantou a moça mobilizar seu arsenal de sedução, aí incluído um convidativo guarda-roupa. Quem mandou vir, sua assanhada?, recriminava-se ela, cujo ressentimento não tardou a desaguar na raiva.
Por fim, farta do sexo estritamente verbal que o anfitrião lhe proporcionava, fez as malas. A viagem de volta ao aeroporto rebobinou a da chegada - flores, limusine e champanhe a bordo, quase tão gelado quanto os dedos do silente Dom Juan.
Mal ela pôs os pés em casa, e quem irrompe ao telefone, a verter incandescente, irresistível prosa & verso de enamorado?
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