FOLHA DE SP - 10/09
O exemplo da omissão de socorro em Srebrenica, agora punido, não deveria repetir-se na Síria
O Tribunal Supremo holandês acaba de condenar seu próprio país por omissão de socorro. Tropas holandesas, sob o guarda-chuva das Nações Unidas, estavam incumbidas de proteger muçulmanos da Bósnia, ameaçados pelos sérvios, quando entrava em dissolução a Iugoslávia.
Não protegeram: 8.000 muçulmanos foram exterminados só em Srebrenica.
O tribunal não condenou a Holanda pelo conjunto da desproteção (a Justiça precisa de nomes de vítimas para emitir um julgamento), mas por três casos específicos: o de Rizo Mustafic, eletricista do complexo ocupado pelas tropas holandeses, e os de Ibro e Mohamed Nuhanovic, pai e irmão de Hasan Nuhanovic, tradutor da tropa.
Hasan sobreviveu, mas os três outros foram entregues à sanha assassina das tropas sérvias.
O julgamento é uma maneira muito clara de dizer que as tropas holandeses tinham o dever de proteger civis inocentes, em vez de omitir-se, como o fizeram.
Pena que um tribunal vizinho, na própria Haia, o Tribunal Penal Internacional, não tome em suas mãos o caso da Síria e condene o mundo por omissão de socorro.
De certa forma, o massacre na Síria é pior do que o de Srebrenica. Na Bósnia pelo menos havia os famosos "capacetes azuis" da ONU no terreno, o que pode ter diminuído um pouco o tamanho do genocídio, o pior em solo europeu desde a 2ª Guerra Mundial, 50 anos antes.
Já na Síria, nada. O mundo assiste ao massacre sem se mover. A mexida norte-americana e francesa agora anunciada não tem nada a ver com direitos humanos, mas com a necessidade de o presidente Barack Obama fazer respeitar o que ele próprio traçou como "sinal vermelho" a não ser ultrapassado, no caso o uso de armas químicas.
As 100 mil mortes anteriores, por armas convencionais, não comoveram a comunidade internacional. Esta, como se viu na cúpula do G20 em São Petersburgo, fica num balé sinistro e sem sentido.
Alguns países --o Brasil, por exemplo-- dizem que qualquer ação militar tem que ser aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que é, realmente, de bom senso. Pena que a Rússia vete qualquer hipótese de intervenção, o que torna o bom senso inteiramente inócuo e emite sinal verde para que a matança prossiga.
Outros países defendem, reiteradamente, uma "solução política", o que também é de bom senso. Pena que as partes que forçosamente seriam interlocutoras da tal solução política (a ditadura Assad e os rebeldes) tenham tudo menos bom senso, o que inviabiliza a solução política e, de novo, dá o sinal verde para a carnificina.
O julgamento do Tribunal Supremo holandês deveria fazer o mundo pensar em um instrumento que estancasse o sangue, sem determinar quem será o vencedor do conflito: deslocar "capacetes azuis" para se interpor entre tropas do regime e rebeldes. Omissão de socorro seria um pecado que a comunidade internacional não mais deveria cometer.
P.S.: Dou duas semanas de folga para o leitor.
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