VALOR ECONÔMICO - 10/09
A política monetária executada pelos bancos centrais vem sofrendo uma profunda mudança. Costumava ser produzida misteriosamente num templo controlado por poderosos sacerdotes, escolhidos pelo poder incumbente que os supunha portadores de indiscutível ciência. Era transmitida aos mortais como nos antigos oráculos, por um porta-voz. Acreditava-se que resultava de leis tão irrevogáveis quanto as da atração universal.
Depois de tantos choques planetários, que abalaram as economias de vários países, foi ficando cada vez mais claro que o extremo segredo era apenas proteção para a precariedade da hipótese. Lentamente, sob o estímulo decidido de alguns bancos centrais (Nova Zelândia, Suécia) e diante do visível fracasso do segredo absoluto , ela está sendo substituída pelo seu oposto, a busca da transparência absoluta .
Agora parece consenso que a política monetária, que estabiliza a economia no melhor nível da atividade possível e com a taxa de inflação estabelecida pelo poder incumbente, precisa ser independente da política fiscal. Independente aqui, significa que quem fixou a meta de inflação tem, também, que manobrar a política fiscal ao longo do ciclo econômico para acomodar a demanda pública às eventuais flutuações da demanda privada. Essa sim, será controlada pela política monetária.
Quando não há essa coordenação e a demanda pública é persistentemente expansionista, todo o peso do ajuste se faz sobre a demanda privada, com custos sociais crescentes, dos quais a parte menos visível é o aumento da taxa de juro real que reduz o investimento privado e, seguramente, a produtividade total da economia.
Quais as outras condições para a política monetária transparente? A existência de um banco central: 1) autônomo, com condições institucionais para resistir às pressões externas. Não apenas às oportunistas do poder incumbente, mas também às dos não menos poderosos interesses dos sistemas produtivo e financeiro privados. Ele deve ser um agente de toda a sociedade, que não pode ser enganada com soluções de curto prazo que aninham crises no longo prazo; 2) que comunique suas decisões com absoluta clareza e não em bancocentralês (linguagem sutil usada para esconder o pensamento), para que num prazo razoável a sociedade possa avaliar a acuidade dos profissionais aos quais confiou a importante missão; e 3) que antecipe sua visão sobre o futuro e a política monetária que adotará caso este se materialize, agora chamada forward guidance .
O sucesso da política monetária reside na capacidade do banco central de levar, racionalmente, o setor privado a aceitar um diagnóstico que o conduza a estabilizar a sua expectativa da taxa de inflação no nível da meta. Isso depende não apenas da política fiscal de curto prazo, mas também da expectativa sobre a política fiscal no longo prazo. Não é difícil entender por quê. A dívida pública total só pode ser reduzida ou com a sua monetização ou com a geração de superávits fiscais.
A primeira solução é a forma primitiva com a qual se produzia inflação e que caiu em desuso. Restou apenas a segunda: a capacidade de produzir superávits fiscais. E como isso é possível? Aumentando a receita, cortando a despesa do governo ou uma combinação dos dois.
O que acontece quando o governo perde seus graus de liberdade: 1) não pode aumentar a tributação, porque a sociedade percebe que ela já é elevada; e 2) não pode reduzir a despesa, porque ela é indexada. A resposta depende do nível da relação dívida pública bruta/PIB, da capacidade do governo de gerar superávit e da taxa de crescimento do PIB.
Em primeiro lugar, é intuitivo que deva existir um limite máximo a partir do qual o seu financiamento torna-se problemático. Para expulsar o setor privado é preciso pagar maior taxa de juros, o que compromete a sua estabilidade. Por outro lado, para cumprir o papel de instrumento anticíclico - quando desfalece a demanda privada e o governo é solicitado a substitui-la - ele precisa ter uma relação com suficiente folga para não atingi-lo.
Isso mostra a extrema necessidade de uma coordenação fina entre as políticas fiscal e monetária para que cada uma cumpra com eficiência o seu papel. Diante da recente recomendação de dar uma orientação clara ("guidance") à política monetária, seria muito interessante utilizar o mesmo princípio para a política fiscal.
No Brasil, a relação dívida bruta do setor público/PIB está estável em 60%, mas, obviamente, não sobra espaço para uma eventual necessidade de política anticíclica. A dívida não é exagerada, mas é desconfortável. Seria importante programar a sua diminuição paulatina. O fundamental, entretanto, é mostrar com clareza à sociedade como o governo vai enfrentar a ameaça de gastos que já não cabem no PIB (previdência, saúde, educação, mobilidade urbana), os novos gastos exigidos pelos gritos das ruas e os das mudanças institucionais, como o orçamento impositivo.
Sem isso, a simples expectativa de que nada será feito, antecipa as dificuldades da política monetária e cria dúvidas sobre sua capacidade efetiva de nos levar de volta à meta de inflação de 4,5%.
Depois de tantos choques planetários, que abalaram as economias de vários países, foi ficando cada vez mais claro que o extremo segredo era apenas proteção para a precariedade da hipótese. Lentamente, sob o estímulo decidido de alguns bancos centrais (Nova Zelândia, Suécia) e diante do visível fracasso do segredo absoluto , ela está sendo substituída pelo seu oposto, a busca da transparência absoluta .
Agora parece consenso que a política monetária, que estabiliza a economia no melhor nível da atividade possível e com a taxa de inflação estabelecida pelo poder incumbente, precisa ser independente da política fiscal. Independente aqui, significa que quem fixou a meta de inflação tem, também, que manobrar a política fiscal ao longo do ciclo econômico para acomodar a demanda pública às eventuais flutuações da demanda privada. Essa sim, será controlada pela política monetária.
Quando não há essa coordenação e a demanda pública é persistentemente expansionista, todo o peso do ajuste se faz sobre a demanda privada, com custos sociais crescentes, dos quais a parte menos visível é o aumento da taxa de juro real que reduz o investimento privado e, seguramente, a produtividade total da economia.
Quais as outras condições para a política monetária transparente? A existência de um banco central: 1) autônomo, com condições institucionais para resistir às pressões externas. Não apenas às oportunistas do poder incumbente, mas também às dos não menos poderosos interesses dos sistemas produtivo e financeiro privados. Ele deve ser um agente de toda a sociedade, que não pode ser enganada com soluções de curto prazo que aninham crises no longo prazo; 2) que comunique suas decisões com absoluta clareza e não em bancocentralês (linguagem sutil usada para esconder o pensamento), para que num prazo razoável a sociedade possa avaliar a acuidade dos profissionais aos quais confiou a importante missão; e 3) que antecipe sua visão sobre o futuro e a política monetária que adotará caso este se materialize, agora chamada forward guidance .
O sucesso da política monetária reside na capacidade do banco central de levar, racionalmente, o setor privado a aceitar um diagnóstico que o conduza a estabilizar a sua expectativa da taxa de inflação no nível da meta. Isso depende não apenas da política fiscal de curto prazo, mas também da expectativa sobre a política fiscal no longo prazo. Não é difícil entender por quê. A dívida pública total só pode ser reduzida ou com a sua monetização ou com a geração de superávits fiscais.
A primeira solução é a forma primitiva com a qual se produzia inflação e que caiu em desuso. Restou apenas a segunda: a capacidade de produzir superávits fiscais. E como isso é possível? Aumentando a receita, cortando a despesa do governo ou uma combinação dos dois.
O que acontece quando o governo perde seus graus de liberdade: 1) não pode aumentar a tributação, porque a sociedade percebe que ela já é elevada; e 2) não pode reduzir a despesa, porque ela é indexada. A resposta depende do nível da relação dívida pública bruta/PIB, da capacidade do governo de gerar superávit e da taxa de crescimento do PIB.
Em primeiro lugar, é intuitivo que deva existir um limite máximo a partir do qual o seu financiamento torna-se problemático. Para expulsar o setor privado é preciso pagar maior taxa de juros, o que compromete a sua estabilidade. Por outro lado, para cumprir o papel de instrumento anticíclico - quando desfalece a demanda privada e o governo é solicitado a substitui-la - ele precisa ter uma relação com suficiente folga para não atingi-lo.
Isso mostra a extrema necessidade de uma coordenação fina entre as políticas fiscal e monetária para que cada uma cumpra com eficiência o seu papel. Diante da recente recomendação de dar uma orientação clara ("guidance") à política monetária, seria muito interessante utilizar o mesmo princípio para a política fiscal.
No Brasil, a relação dívida bruta do setor público/PIB está estável em 60%, mas, obviamente, não sobra espaço para uma eventual necessidade de política anticíclica. A dívida não é exagerada, mas é desconfortável. Seria importante programar a sua diminuição paulatina. O fundamental, entretanto, é mostrar com clareza à sociedade como o governo vai enfrentar a ameaça de gastos que já não cabem no PIB (previdência, saúde, educação, mobilidade urbana), os novos gastos exigidos pelos gritos das ruas e os das mudanças institucionais, como o orçamento impositivo.
Sem isso, a simples expectativa de que nada será feito, antecipa as dificuldades da política monetária e cria dúvidas sobre sua capacidade efetiva de nos levar de volta à meta de inflação de 4,5%.
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