GAZETA DO POVO - PR - 10/09
Por força da qualidade de seu corpo profissional, a diplomacia brasileira é referência mundial de eficiência e de qualidade. Isso se deve ao recrutamento por concurso público e à formação esmerada a cargo do Instituto Rio Branco, uma das mais relevantes instituições do Brasil republicano.
Bem por isso, não podemos conceber a digna diplomacia do país como instituição descerebrada e amorfa, apenas a seguir as ordens ou as desordens do governo de momento. Mesmo porque o Itamaraty é uma instituição de Estado, não mera ferramenta descartável de governo. Por isso, deve atuar com sua expertise na condução da política externa de modo a não permitir que se cometam desatinos que abalem o prestígio e a imagem do país. Nosso ministro de Relações Exteriores recebe, a propósito, a exclusiva designação de “ministro de Estado”, o que lhe distingue de todos os demais titulares de ministérios, devendo estar atrelado não a meros compromissos transitórios da governança da hora, mas com obrigações mais perenes, voltadas à imagem do país e à continuidade da nação.
Nesse sentido, uma salutar norma não escrita da cultura política brasileira faz da diplomacia uma carreira fechada, em que raramente são nomeados chancelares ou embaixadores de fora do Itamaraty, o que explica em boa medida seu diferencial de qualidade vis-à-vis todas as demais chancelarias. No momento, inclusive, trata-se de regra seguida pelo Palácio do Planalto com rigidez, embora se cultive a nociva prática de manter como assessor presidencial de política internacional professores de História e ativistas ideológicos, extravagantes à diplomacia, carentes da compreensão sobre a política externa e de conhecimentos jurídicos mais abrangentes, o que levou o governo brasileiro a algumas desastradas interveniências internacionais, como foi o caso de suspender o Paraguai do Mercosul.
Cumpre lembrar que a polêmica atuação de Eduardo Saboia, no resgate do infeliz boliviano perseguido por Evo Morales, longe está da insubordinação. Afinal, ao conceder-lhe asilo, o governo brasileiro já havia implicitamente reconhecido o caráter ilegal da perseguição. Ilegalidade que se perpetuou na negativa do salvo-conduto, ao arrepio da lei internacional e da razão. Afinal, de que valeria o instituto jurídico do asilo se déspotas contumazes se arvorassem no direito de impedir o trânsito de asilados?
De fato, Saboia merece homenagens e reconhecimento pela corajosa iniciativa, coerente e consoante aos fundamentos da República, de respeito aos direitos humanos e de prestígio aos valores democráticos. Merece condecorações e não punições, como executor aplicado das valiosas lições de humanismo e de liberdade que decerto aprendeu e exerceu em sua esmerada formação e percurso profissional.
Não podemos ficar reféns de movimentos ideológicos, que em relação à Bolívia já nos feriram na soberania nacional, com a tomada “à baioneta” de uma refinaria da Petrobras, com a vistoria de um avião da República brasileira com a acusação de que traficava pessoa (no caso, o senador asilado), e também com a detenção do advogado do referido senador por suposto transporte de documentos que auxiliariam a regularização de seu domicílio no Brasil.
Não respeitar as tradições da casa do Barão do Rio Branco, não zelar pelo orgulho que o Brasil tem de sua diplomacia é crime de lesa-pátria.
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