FOLHA DE SP - 10/09
Bodas de ferro do Lehman lembram que união entre bancões e o Estado é indissolúvel
"SEU BANCO quebrou, a economia está em crise, mas o sr. conseguiu manter seus US$ 480 milhões. Tenho uma pergunta básica para o senhor: isso é justo?", perguntava Henry Waxman, deputado americano, para Richard Fuld, presidente do Lehman Brothers, em outubro de 2008.
O passamento do bancão de investimento, no dia 15 de setembro de 2008, teria sido a gota ou a tromba-d'água que levou o mundo financeiro ao colapso financeiro.
A crise teria sido tão ruim se as autoridades tivessem pegado o Lehman no colo e lhe dado mamadeiras de dinheiro, como haviam feito antes com outras instituições financeiras e o fariam depois do colapso estrondoso do bancão?
Suponha-se, com boa vontade angelical, que a salvação do Lehman pudesse ter evitado o colapso e seus custos abissais para as contas dos governos. Ainda assim, o Estado teria oferecido um seguro, seja lá por qual mecanismo.
Economistas angelicais podem recorrer ao lugar-comum corrente e dizer que "não se trata de salvar banqueiros", mas de uso provisório de recursos públicos, diretos ou indiretos, a fim de evitar prejuízo maior para "a sociedade" (entre aspas, pois para a maioria dos economistas "a sociedade" é um ser sem divisões e desigualdades). Certo? Não.
Primeiro, é difícil quando não impossível separar beneficiados e prejudicados nesses acertos de contas em "crises sistêmicas". São "sistêmicas", como na queda de um dominó, por exemplo, porque uma multidão faz parte da cirandinha. Uma andorinha apenas não faz o verão da crise de 2008.
Segundo, os beneficiados são todos os que foram poupados de serem atingidos por um dominó, ainda que tenham feito parte da brincadeira e ganhado muito dinheiro enquanto a dança continuou, dinheiro que preservarão.
Não é bem possível separar trigo e joio, afora uns casos bem escalafobéticos, como o de Bernie Maddoff.
Pior ainda, não é bem possível "focalizar" a ação do Estado nas terapias e prevenções de crises financeiras. Segundo o modelo básico de manual, governos liquidam bancos ruins e oferecem empréstimos para bancos bons que correm o risco de quebrar por "contágio" (por serem confundidos com o banco podre). Mas a situação de manual existiu apenas no tempo do onça, se tanto.
Quando o caldo entorna, como em 2008, um BC como o Fed faz qualquer negócio, até "desconta duplicatas", na frase sarcástica de Maria da Conceição Tavares. Em última análise, compra quanto tipo de ativo podre estiver na praça a fim de evitar uma espiral assassina de queda de preços.
Assim, salva culpados por omissão, comissão, cúmplices, aproveitadores etc. Sim, em última instância, "a sociedade" é poupada de colapsos terminais, da depressão econômica e de coisas ainda piores.
Em tese, o Estado só deveria oferecer seguros "focalizados", de modo a não incentivar comportamento irresponsável de risco ("se há rede, vou pular"). Mas, no fim das contas, como vimos em 2008, está implícito que, afora um ou outro extravagante que será sacrificado, haverá rede para a maioria, grandes credores e outros envolvidos no sistema. De outro modo, tudo vai à breca.
Pode ser que não exista outro modo de lidar com a coisa. Que seja. Então, se fornecer seguro para a festa da finança é inevitável, por que não repartir a conta e os dividendos?
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