terça-feira, setembro 10, 2013

O mundo no banco dos réus - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 10/09

O exemplo da omissão de socorro em Srebrenica, agora punido, não deveria repetir-se na Síria


O Tribunal Supremo holandês acaba de condenar seu próprio país por omissão de socorro. Tropas holandesas, sob o guarda-chuva das Nações Unidas, estavam incumbidas de proteger muçulmanos da Bósnia, ameaçados pelos sérvios, quando entrava em dissolução a Iugoslávia.

Não protegeram: 8.000 muçulmanos foram exterminados só em Srebrenica.

O tribunal não condenou a Holanda pelo conjunto da desproteção (a Justiça precisa de nomes de vítimas para emitir um julgamento), mas por três casos específicos: o de Rizo Mustafic, eletricista do complexo ocupado pelas tropas holandeses, e os de Ibro e Mohamed Nuhanovic, pai e irmão de Hasan Nuhanovic, tradutor da tropa.

Hasan sobreviveu, mas os três outros foram entregues à sanha assassina das tropas sérvias.

O julgamento é uma maneira muito clara de dizer que as tropas holandeses tinham o dever de proteger civis inocentes, em vez de omitir-se, como o fizeram.

Pena que um tribunal vizinho, na própria Haia, o Tribunal Penal Internacional, não tome em suas mãos o caso da Síria e condene o mundo por omissão de socorro.

De certa forma, o massacre na Síria é pior do que o de Srebrenica. Na Bósnia pelo menos havia os famosos "capacetes azuis" da ONU no terreno, o que pode ter diminuído um pouco o tamanho do genocídio, o pior em solo europeu desde a 2ª Guerra Mundial, 50 anos antes.

Já na Síria, nada. O mundo assiste ao massacre sem se mover. A mexida norte-americana e francesa agora anunciada não tem nada a ver com direitos humanos, mas com a necessidade de o presidente Barack Obama fazer respeitar o que ele próprio traçou como "sinal vermelho" a não ser ultrapassado, no caso o uso de armas químicas.

As 100 mil mortes anteriores, por armas convencionais, não comoveram a comunidade internacional. Esta, como se viu na cúpula do G20 em São Petersburgo, fica num balé sinistro e sem sentido.

Alguns países --o Brasil, por exemplo-- dizem que qualquer ação militar tem que ser aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que é, realmente, de bom senso. Pena que a Rússia vete qualquer hipótese de intervenção, o que torna o bom senso inteiramente inócuo e emite sinal verde para que a matança prossiga.

Outros países defendem, reiteradamente, uma "solução política", o que também é de bom senso. Pena que as partes que forçosamente seriam interlocutoras da tal solução política (a ditadura Assad e os rebeldes) tenham tudo menos bom senso, o que inviabiliza a solução política e, de novo, dá o sinal verde para a carnificina.

O julgamento do Tribunal Supremo holandês deveria fazer o mundo pensar em um instrumento que estancasse o sangue, sem determinar quem será o vencedor do conflito: deslocar "capacetes azuis" para se interpor entre tropas do regime e rebeldes. Omissão de socorro seria um pecado que a comunidade internacional não mais deveria cometer.

P.S.: Dou duas semanas de folga para o leitor.

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