FOLHA DE SP - 18/12
Onde está convencionado, sancionado ou registrado que desejo de criança pobre precisa ser simples?
De tanto azucrinar a mulher e amigos, eles se renderam e deitaram o cabelo, nos últimos dias, até os Correios para adotar cartas que crianças escrevem às toneladas destinadas ao velho do saco, o Papai Noel.
Queria eu ser um desses "Eikis" da vida para conseguir pegar umas 10 mil cartas, que me gerariam, sem nenhuma dúvida, 100 milhões de risadas gostosas como retorno do investimento.
Sou desses que não brincam com desejos depositados em missivas natalinas infantis. Nelas, além de pedidos pueris de um brinquedo qualquer, há esperança de que, em um toque de mágica, algo muito bom possa acontecer.
Pois minha amada e alguns dos companheiros voltaram da empreitada dezembrina com uma máxima que me deixou com a vó atrás do toco: "Essa criançada só quer coisa cara. É celular, bicicleta, patinete, um diacho de nome Xbox. Ninguém quer presente baratinho".
Mas onde é que está convencionado, sancionado ou registrado que desejo de criança pobre -a maioria que deposita sua vontade ao Deus-dará- precisa ser baratinho, precisa ser simples?
Quando eu era menino comedor de terra, lá no interior de Mato Grosso do Sul, ansiava por presentes muito mais ousados. Queria um quarto lotado de surpresas, um trem elétrico de mentirinha, mas que corresse em trilhos e soltasse fumaça de verdade, uma espaçonave que lançaria bolhas de sabão e que tivesse uma geladeirinha dentro cheia de doces de boteco.
Talvez o meu raciocínio seja daqueles que o Pondé coloca em baixo do travesseiro para ter muitos pesadelos e, depois, mais nervoso que aposentado em dia de pagar a conta da farmácia, inspira-se para escrever aqueles desaforos todos, mas o pensamento simples também acalenta a existência humana.
Esse negócio de determinar merecimento e de fazer análises comportamentais sobre os pequenos e só assim determinar a premiação natalina são valores adultos que alguns querem enfiar goela abaixo dos infantes.
Em uma das cartas que abraçamos lá em casa, o menino desfilava um monte de palavras pedindo uma roupinha nova de número tal, do tamanho tal, tentando suavizar o impacto de sua vontade legítima, que estava quase na última linha: "Papai Noel, se der, também quero um relógio do Ben 10".
Não sabia que raios era isso de Ben 10, mas, sem pudores, entrei em várias lojas de shopping pedindo tudo que fosse relativo ao danado, que descobri ser um desses heróis meio doidos de desenho japonês mais doido ainda.
Que o menino brinque aos montes com o mimo esquisito, que se inspire para enfrentar os monstros terríveis que o aguardam na vida adulta, e o mais importante: que no futuro incentive outros sonhadores a ter fé em dias melhores.
Os mais velhos também costumam ser alvos de "presentes baratinhos", afinal, eles já têm de tudo nessa vida. Pode até ser, mas no fundo o que muitos deles querem, a meu ver, custa caríssimo: um pouco do tempo corrido dos filhos para tomar um café e trocarem um chamego ou uma breve ligação dos netos, bisnetos para explicaren, mais uma vez, que danado de poder extraordinário tem o relógio do Ben 10.
Bom Natal!
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