O GLOBO - 18/12
Uma recente investigação da Policia Federal alertou a sociedade para a necessidade de compreender a real dimensão de projetos de lei que fragilizam instituições tão caras à construção da segurança jurídica.
Tal reflexão traz a noção do risco de aprovação de projetos como os que reestruturam a Advocacia-Geral da União ou a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo para a estabilidade e lisura das relações jurídicas integradas por entes estatais.
Por outro lado, na mesma proporção em que evidencia uma crise no íntimo de instituição tão cara ao equilíbrio do sistema de Justiça, a deflagração da operação policial Porto Seguro impõe discussões em torno da real dimensão da autonomia dos órgãos de Advocacia Pública, para que se possam apontar soluções para o atraso que lhes é imposto, se comparados com as demais estruturas essenciais à Justiça.
Não podemos deixar de acreditar que foram as circunstâncias anunciadas, de vendas de pareceres chancelados por agentes da cúpula da Advocacia-Geral da União, um dos elementos fundamentais da admissibilidade da PEC 452/2009 pela CCJ da Câmara dos Deputados, no último dia 27 de novembro, possibilitando maiores discussões sobre o tema.
O pensamento político do século passado modificou a ótica simplista da ilegalidade formal, para pensar a corrupção em seu sentido etimológico, pautando o problema como algo referente à putrefação da ordem constituída, na sua ligação não mais apenas com a ideia de arbitrariedade, usurpação, desvio, mas também de justificação, desocultação e responsabilidade. Trouxe à tona, portanto, um novo e mais complexo sentido de justificação normativa de fundo moral da política e de organização e controle de qualquer parcela do Poder.
A construção da identidade pública é um processo fundamental, e, quando essa identidade não é clara, a sua apropriação privada se torna ainda mais possível.
Infelizmente, foi isto o que sempre se procurou fazer com a Advocacia Pública através da confusão do seu papel com o do Ministério Público, num extremo, ou com o de uma simples advocacia de governo, em outro.
Com a desnaturação das suas características profissionais se procura subordiná-la e submetê-la ao contágio de interesses alheios ao conjunto dos interesses da sociedade, em prejuízo do objetivo de lhe fornecer informação de progressiva institucionalidade de combate à corrupção no Brasil.
A Advocacia Pública, assim, permanece à mercê do oportunismo corrupto, fruto do inchaço da máquina pública e da criação e distribuição desenfreada de cargos com critérios exclusivamente políticos, que rompem o equilíbrio de forças legitimadoras dos atos estatais, em claro favorecimento de grupos que, por si, não representam o interesse público.
A sua organização institucional imposta pela Constituição Federal refuta projetos como o de Lei Complementar nº 205/2012, enviado ao Congresso Nacional pelo advogado-geral da União, sem maiores discussões, e com regras que afrontam princípios jurídicos consagrados e fragilizam vários pressupostos de atuação dos advogados públicos.
Será impossível consolidar o estado democrático sem assegurar a boa atuação dos agentes responsáveis por sua preservação e defesa. A condição de autoridade refém de conveniências políticas compromete a atuação do advogado público e garante um porto seguro a grupos desvirtuados que estilhaçam a aura de decência exigida das instituições públicas.
Um comentário:
A lucidez do artigo do presidente da ANAPE, Marcello Terto (18/12), revela a consequencia mais rasteira da distribuição de cargos na administração pública com base em critérios meramente políticos.
A malévola face do apadrinhamento toma forma especialmente sensível e preocupante quando atinge o núcleo sagrado da proteção do estado de direito, o princípio elementar da "independência técnica" da advocacia pública, insculpido no provimento 114 do Conselho Federal da OAB.
A insana tentativa de se fragilizar tanto a Advocacia Geral da União, quanto a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, deve morrer na origem, sob pena de gerar irrefreável efeito cascata em todo o país.
Se isto está ocorrendo junto à administração direta, que conta com órgãos jurídicos robustos e consagrados, o que dizer sobre o que acontece nos calabouços da administração indireta, onde os advogados das autarquias e fundações públicas não possuem as mínimas condições de trabalho para uma efetiva e eficaz defesa do erário?
Levy Pinto de Castro Filho. Presidente da AAPARJ
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