ZERO HORA - 18/12
Pessoas que erram muito têm a obrigação de aprender algo: o exercício da tolerância. Tolerância consigo mesmas, digo. Sei, porque é o meu caso. Vivo errando. Não estou sendo modesto; estou sendo sincero. Tenho cá completa consciência das minhas pusilanimidades e infâmias, mas não vou ficar falando nelas, porque já tem muita gente por aí apontando meus erros e não serei eu a lhes dar ainda mais material para me criticar, sobretudo porque essas seriam as críticas certas. O importante é que saiba dos meus erros e, em geral, os perdoe. Volta e meia digo para mim mesmo: “Calma, rapaz, você é um cara legal. O que podia fazer naquela circunstância?
Qualquer um erraria como você errou. Nada de punições. Se você desculpa os erros dos outros, por que não se desculpar? Não é isso? Isso mesmo. Então, vamos em frente”. Ser condescendente é um alívio, principalmente quando você é o beneficiado com sua própria condescendência. Vamos pegar um exemplo: as tentações. É muito fácil resistir às tentações quando você não é tentado. Você fica criticando os políticos corruptos. Certo. Agora pergunto: alguém já lhe ofereceu um milhão para que você cedesse aqui ou ali? Não? Então, como você sabe que é incorruptível? Talvez você seja um corrupto em estado latente. Talvez você seja o pior tipo: você quer vender, mas ninguém quer comprar.
Não quero dizer, com isso, que você deva ser complacente com quem desvia dinheiro público ou quejandos, mas talvez seja o caso de reconhecer que existem nuances no comportamento do gestor público. É possível que, em certos casos, o erro não seja percebido pelo olho do administrador.
Creio ter sido o que ocorreu no episódio das 462 criancinhas que iam dançar no Araújo Vianna e que tiveram sua apresentação cancelada pela prefeitura por falta de previsão orçamentária. O prefeito Fortunati não sabia da dimensão da coisa. Ao ser informado, determinou a correção do erro. Em 24 horas, tudo foi arranjado e, no domingo passado, as crianças dançaram, felizes, e abraçaram o prefeito. Foi um gesto sensível. Aplausos para ele.
Eu e meu entorno
E os administradores do Grêmio, eles erraram ao dispensar Cássio, Alessandro, Fábio Santos, Douglas e até mesmo Tite, todos eles flamantes campeões do mundo com o Corinthians? Hoje, há muitos oportunistas tentando identificar que dirigentes promoveram essas dispensas, acusando-os de ter errado. Bobagem. As circunstâncias são diferentes. Vou tomar o Douglas como exemplo. No Grêmio, ele vivia a repetir:
– Eu só jogo com a bola no pé.
No Corinthians, ele diz:
– Eu também tenho que ajudar, também tenho que marcar.
Esse Douglas serviria ao Grêmio, aqueloutro não. O Grêmio não mudou. Douglas, sim. Porque mudaram as circunstâncias. O homem é o homem e as suas circunstâncias, eu sou eu e o meu entorno, como filosofava Ortega y Gasset.
Citar Sant’Ana
La Fontaine era distraído como o Sant’Ana. Você sabe, La Fontaine foi o grande fabulista do século 17, o homem que escreveu a Formiga e a Cigarra, o Coelho e a Tartaruga e outros contos com animais como personagens. Bem. Uma vez, ele foi ao enterro de um amigo com quem estava habituado a jantar periodicamente, sempre no mesmo dia do mês. Transcorrido certo tempo, La Fontaine simplesmente se esqueceu do passamento, se enfarpelou todo e foi para a casa do falecido, pronto para passar uma noite agradável com ele. O criado da casa, ao abrir a porta, se espantou e disse, cheio de reticências constrangidas:
– Mas... senhor... Ele está no cemitério já há 15 dias... O senhor sabe disso...
Ao que La Fontaine saiu-se com essa:
– Sei. Mas não sabia que ele ia demorar tanto por lá.
La Fontaine também era modesto, como não é o Sant’Ana. Sua modéstia era tamanha, que um escritor francês seu contemporâneo e rival, Fontenelle, um dia resmungou:
– Esse La Fontaine é tão imbecil que acha que existiram outros fabulistas melhores do que ele!
Por que faço essa comparação entre La Fontaine e Sant’Ana? Para dizer que não passa de fábula isso que o Sant’Ana reclama, de jamais ser citado por outros colunistas. Já o citei várias em várias oportunidades e, agora, num único texto, o fiz quatro vezes. Cinco com o título. Seis agora: Sant’Ana. Pode parar de se queixar, Sant’Ana (sete). Espero que esteja satisfeito, Sant’Ana (oito!).
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