ZERO HORA - 18/12
A sociedade reconhecida pela defesa intransigente das liberdades individuais é a mesma que se confronta com os desatinos que a liberalidade sem limites acarreta, como ocorreu em Newtown.
É longo e politicamente extenuante o caminho entre a frase dita no domingo pelo presidente Barack Obama e sua futura transformação em mudança concreta, em meio ao trauma de mais um massacre de crianças nos Estados Unidos. Disse o presidente a familiares e amigos de vítimas da matança na escola de Sandy Hook que seu país não tem feito o suficiente para evitar casos como o de sexta-feira e afirmou: "Nós teremos que mudar". A frase foi entendida como o reconhecimento, pela principal liderança da nação, de que a sociedade não mais pode se resignar com as consequências das leis que permitem a concessão irrestrita do porte de armas a civis. Para os mais pessimistas, a consternação do presidente talvez não seja suficiente para que a legislação sofra de fato alterações, já que o próprio Obama fez declaração semelhante depois do assassinato de 12 pessoas, este ano, num cinema de Aurora, no Colorado.
As possíveis restrições ao porte de arma e o enfrentamento das causas de uma cultura que exalta o belicismo, vistas a distância, parecem ser questões cruciais de interesse apenas dos americanos. Sabe-se, pelo debate que tragédias como a de sexta-feira provocam, que não é bem assim. Economia, política, arte, costumes e tantas outras referências exportadas pelos Estados Unidos interferem no modo de vida do mundo ocidental. Aliar-se aos que defendem, como o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, novas diretrizes capazes de pelo menos reduzir o risco de atentados, é somar-se a um esforço civilizatório. Políticos, em especial os democratas, profissionais das mais variadas áreas, especialistas em violência, boa parte da imprensa, religiosos e comunidades traumatizadas têm apelado, desde antes do episódio em Newtown, não só pelas restrições ao acesso às armas, mas pelo aprofundamento da compreensão dessa e de outras possíveis causas dos desatinos.
A sociedade reconhecida pela defesa intransigente das liberdades individuais é a mesma que se confronta também com as desgraças que a liberalidade sem limites acarreta. Tanto que, em nome do direito de se defender, os americanos têm o equivalente a uma arma para cada habitante. Mas do que, afinal, se defendem os que armazenam arsenais em casa _ como a mãe do atirador de Connecticut _, se ataques como esse e outros com as mesmas características atingem indefesos sem a menor condição de reação? É inquestionável que a obsessão por armas foi historicamente gravada na alma do americanos, desde as investidas para ocupação de territórios, os confrontos internos e os duelos políticos com inimigos de fora. A cultura da guerra, exaltada por heróis reais ou fictícios, pode não explicar tudo, mas certamente contribui para o apego à ideia de que diferenças e desavenças podem ser resolvidas à força.
Se estiver realmente preocupado em liderar mudanças, o presidente Barack Obama terá de avançar para muito além do discurso que fez domingo a uma comunidade aterrorizada. O presidente lembrou que o assassinato em massa poderia ter acontecido em qualquer outra escola dos Estados Unidos, numa comunidade decente e pacata como a de Newtown. O próprio Obama sabe que massacres se repetirão em escolas, cinemas, shoppings, se as reações dos líderes às matanças ficarem restritas à consternação.
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