terça-feira, dezembro 18, 2012

Getúlio e energia elétrica: a história se repete - NEY CARVALHO

FOLHA DE SP - 18/12


Insegurança jurídica, populismo tarifário, aversão às empresas... Deu na marchinha de Carnaval de 54: "Rio, cidade que seduz, de dia falta água, de noite falta luz"


Não é a primeira vez que se unem, no Brasil, insegurança jurídica, nacionalismo e mal disfarçada ojeriza à livre iniciativa, além de demagogia tarifária no tratamento regulatório da energia elétrica.

As mesmas atitudes que hoje conduzem o governo federal no tema já foram presenciadas durante os anos de Getúlio Vargas à frente do Estado brasileiro, entre 1930 e 1945. Parece recomendado rever o histórico, as providências daquele período e suas consequências nefastas.

Vargas é tido, usualmente, como o grande modernizador do Brasil, apesar de essa não ser a realidade. O crescimento do parque energético nacional, por exemplo, foi brutalmente refreado, sob argumentos e pano de fundo em tudo semelhantes aos que vivemos na atualidade.

A Constituição de 1891 concedera ampla autonomia aos Estados e municípios para concessão de serviços em seus territórios. Com isso, em 1930, já eram mais de mil as concessionárias, privadas ou municipais, de energia elétrica em atuação no país. Havia, no entanto, uma preponderância de duas empresas estrangeiras: a canadense Light e o grupo norte-americano Amforp.

A partir daquele ano, a insegurança jurídica foi permanente. Com exceção do breve triênio da Constituição de 1934, o país foi dirigido durante 12 anos por decretos executivos e decretos-lei, versões um pouco pioradas das medidas provisórias.

O cerco à indústria de eletricidade iniciou-se em setembro de 1931, quando foram proibidos negócios envolvendo terras que contivessem cursos d'água com potencial de exploração energética. Nenhuma empresa poderia se expandir.

Em 27 de novembro de 1933, a maior quebra de contratos da história brasileira, alcançou, em cheio, as concessionárias. Foi a proibição da "cláusula ouro", uma espécie de correção cambial que preservava da inflação a metade das receitas das companhias de energia elétrica.

O populismo tarifário se apresentava em marcha batida. Naquela data, Getúlio Vargas anotou em seu diário: "Assino o decreto abolindo os pagamentos em ouro feitos obrigatoriamente no Brasil. Isso atinge principalmente as empresas de serviços públicos, Light e outras (...), causando excelente efeito no público". O excelente efeito no público era sua única preocupação.

Em seguida o Código de Águas, de julho de 1934, completava o círculo de fogo. As tarifas passaram a ser fixadas sobre o "custo histórico" dos investimentos, sem levar em conta a desvalorização monetária. Ficavam vedadas ampliações ou mesmo modificações nas usinas até a revisão dos contratos, o que nunca foi feito. Proibia-se, também, o ingresso de novos investimentos estrangeiros no setor, bem como quaisquer aumentos de tarifas.

Há um episódio que revela a ignorância e leviandade com que todo o assunto foi tratado. Em recente biografia do economista Eugênio Gudin (1886-1986) é relatado um diálogo, oito anos depois, em 1942. Vargas lhe pergunta o que significava "custo histórico". Comentários são dispensáveis.

Segundo a Memória da Eletricidade no Brasil, o crescimento da indústria de energia elétrica, que havia sido de 8,4% ao ano na década de 1910, e 7,8%, nos anos 1920, caiu para 4,9% entre 1930 e 1940, ainda efeito retardado de investimentos anteriores, e se reduziu a apenas 1,1% ao ano até 1945.

O somatório das políticas de insegurança jurídica, aversão a investimentos privados e busca de modicidade tarifária vieram ecoar no Carnaval de 1954, um quarto de século após o início dos governos Vargas. Naquele ano, um dos maiores sucessos foi a marchinha "Vagalume". Ela cantava: "Rio de Janeiro, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz".

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