FOLHA DE SP - 18/12
É do Supremo, afirmou Celso de Mello, 'o monopólio da última palavra' em termos de interpretação constitucional
Uma última picuinha, e das feias, marcou o encerramento da famosa ação penal 470, a do mensalão.
Com tudo resolvido, inclusive um último recurso dos advogados de Henrique Pizzolato, o presidente do Supremo (e relator do processo), Joaquim Barbosa, tomou a palavra. Não se tratava de nenhum grande pronunciamento político-moral.
Ele quis apenas fazer um agradecimento a seus assessores, pela colaboração num trabalho de sete anos.
Quem estranhou a iniciativa foi Marco Aurélio Mello, que já vinha se destacando, nas últimas sessões, por algumas extravagâncias de opinião.
Prestar homenagem a assessores? Numa sessão pública do tribunal? Como assim? Para Marco Aurélio, o agradecimento poderia ser feito em particular. Joaquim Barbosa estava rompendo totalmente com a liturgia do cargo.
Se bem se entende sua objeção, a ideia é que teoricamente o ministro do Supremo faz tudo sozinho; não cabe sugerir (o que qualquer leigo acharia natural) que outros profissionais do direito trabalhem, preparem, escrevam, vá lá, os pronunciamentos de suas excelências.
Barbosa insistiu. Não via problema nenhum em reconhecer, num julgamento inusitado como aquele, o serviço dos assessores.
Prefiro dizer que não tem nada de inusitado, provocou Marco Aurélio. E, numa cena dispensável, pediu licença para se retirar do plenário.
Talvez se tenha resumido, com isso, um dos aspectos mais comentados de todo o procedimento dos ministros do Supremo: o jogo de vaidades, a vontade de roubar a cena, a possível inconformidade diante do fato de Joaquim Barbosa -com todos os seus defeitos- ter-se transformado em herói popular.
Vale ressaltar, contudo, que a vaidade não foi tão grande como se disse. As mulheres, para começar, foram discretas e ponderadas o tempo todo, com destaque para a mente organizada e minuciosa de Rosa Weber. Era sempre ela quem revia e recalculava as penas e as decisões do plenário.
Gilmar Mendes teve raríssimos momentos em que levantou a voz para fazer alguma coisa parecida com discurso. Mal levantava, na verdade, a própria cabeça.
Toffoli, de certo modo condenado à discrição, dado o seu histórico de proximidade com José Dirceu, saiu-se bem no julgamento, agindo, por vezes, com distanciamento do que seriam os interesses dos réus -em cuja culpa não acreditava.
Vaidoso, Lewandowski? Sua atitude de discordância com as teses da acusação valeu, muitas vezes, que sofresse quase que um "bullying" por parte de Joaquim Barbosa. E sua atitude, nesses momentos, era tão serena que parecia até provocação, e de uma humildade que, sincera ou não, chegava aos limites do servil.
Luiz Fux sem dúvida estava encantado com a própria voz, e feliz com seu papel -o de acompanhar na maior parte das vezes o voto do relator. Houve o episódio da guitarra também. Mas trouxe o conforto de se ver, pelo menos, um condenador que não precisava ficar mal-humorado com isso.
Vaidoso, Joaquim Barbosa? Menos o amor por si mesmo, e mais a irritação com os réus, os advogados e os colegas foi o que orientou seu comportamento.
Ayres Britto, presidente do tribunal durante boa parte do processo, já foi várias vezes elogiado aqui, por uma personalidade que parecia autenticamente amorosa, em meio às asperezas da matéria.
Celso de Mello foi o ministro das falas intermináveis, das cadeias de sinônimos, e de todos os artigos da lei na ponta da língua. Seu voto nesta segunda-feira selou, como já se esperava, a determinação de que perdem o mandato parlamentar os condenados deste processo.
Como membro mais velho do tribunal, coube-lhe advertir quanto à necessidade de que essa decisão não venha a ser contestada na Câmara dos Deputados. É do STF, repetiu Celso de Mello várias vezes, "o monopólio da última palavra" em termos de interpretação constitucional. Trata-se, disse ele recordando Ruy Barbosa, da responsabilidade de "errar por último". Não deixa de ser uma humildade final.
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