O GLOBO - 16/12
Vinicius já dizia que “são demais os perigos desta vida”. Bem, não era só isso. No famoso “Soneto de Orfeu”, depois musicado por Toquinho, ele dizia que “São demais os perigos desta vida para quem tem paixão”. Eu peço licença a Vinicius e acrescento: “São demais os perigos desta vida para quem tem paixão pelo Rio de Janeiro.”
Não. Esta não é uma coluna poética. Mas queria, antes de entrar no assunto propriamente dito, lembrar de outro poema, no caso, de uma letra de música. Falo de “Cariocas”, de Adriana Calcanhotto, que tão bem descreveu os que moram por aqui. Cariocas são ‘bonitos, bacanas, dourados, modernos, espertos e diretos”. São também “bambas, craques, alegres, atentos, sexys e claros”. Têm sotaque. Não gostam de dias nublados, nem de sinal fechado.
Calcanhotto se esqueceu, mas eu acrescento, como já tinha acrescentado algo ao soneto de Vinicius: cariocas têm medo de elevados. Nem sempre foi assim. Eu me lembro muito bem de assistir, ainda jovem, recém-saído da adolescência, reportagens no jornal da tela exibido nos cinemas sobre a construção da obra de engenharia que enfrentava o Rio e a montanha para ligar a barra a São Conrado. O Elevado das Bandeiras _ alguém mais se lembra de seu nome de batismo? _ enchia o Rio de orgulho. Mas isso foi antes de os elevados do Rio caírem como a tarde, só para lembrar outro poeta da MPB, Aldir Blanc. Ainda no jornal da tela, mas já adulto, comecei a me familiarizar com reportagens que mostravam a corrosão que afetava os pilares do elevado. Essa história é velha.
Não sou o único carioca que, desde essa época, ainda nos anos 80 do século passado, suspira aliviado quando chega ao fim do Elevado das Bandeiras, ou do Joá, como ficou conhecido na intimidade. É como se a gente dissesse “desta vez, eu escapei”. O Rio é uma cidade de muitos perigos. Tem tiroteio em comunidades pacificadas. Moradores de rua que agridem mulheres que caminham no calçadão. Bueiros que explodem sem mais nem menos. A cada um desses perigos, os administradores reagem com medidas que se pretendem definitivas. Menos com o perigo do Joá. Ali, a prefeitura sempre se limitou a fazer uma meia-sola. Em outras palavras, sempre se satisfez em adiar o perigo. Talvez não tenha sido uma ideia tão boa, como apregoava o jornal da tela, construir um elevado ali. O fato é que foi feito. E cabe a nossos administradores tomar conta dele. Para que não seja mais um perigo a assombrar os cariocas.
Há não muito tempo, a prefeitura anunciou que alargaria o elevado. Criaria mais uma pista para acabar com o gargalo que costuma acontecer no trajeto da Zona Sul a Zona Oeste, provocando engarrafamentos. Seria uma das muitas medidas que preparariam a cidade para os Jogos Olímpicos de 2016.
Como é que agora um estudo do Coppe diz que o estado da obra é tão precário que a recomendação é reconstruir tudo de novo? Se o caso era tão grave, como é que se pensou em alargá-lo? E o prefeito, que encomendou o estudo, diz que não tem condições de fazer isso e promete uma nova meia-sola?
É ou não é contraditória uma cidade que resolve demolir um elevado que não tinha problemas, mas mantém um outro que ameaça entrar em colapso? São demais os perigos dessa vida. Entre eles, os prefeitos.
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