Felipe Camargo, de volta à TV na minissérie 'Xingu' e na próxima novela das sete, diz que sua vida 'não é um mar de rosas, mas é muito melhor do que era antes'
Felipe Camargo, 52, sai do cinema arrastando as Havaianas marrons pelo chão, puxado por Maria Flor, 29. Os dois escapam de fininho antes da exibição para a imprensa do primeiro capítulo de "Xingu", transformado em minissérie pela Globo após passar no cinema. "A gente começa hoje o workshop dado por um cara sinistrão", diz a colega de set, de curso e de sotaque carioca "bolado".
Mais tarde, o ator está ladeado por Maria Flor e Nathalia Dill, 26. O trio começou na semana passada a ter aulas com o argentino Juan Carlos Corazza, preparador de elenco do casal Javier Bardem e Penélope Cruz. Dica do ator Cauã Reymond, 32.
"O Cauã mandou e-mail pra mim sobre esse curso", diz o ex-galã dos anos 80, que estourou como par de Malu Mader em "Anos Dourados". Ele toma um café expresso (quatro gotas de adoçante) com a repórter Anna Virginia Balloussier, na saída da primeira aula, num teatro no Planetário do Rio de Janeiro.
Duas horas, quatro cigarros e duas barras de cereal sabor banana depois, Felipe fala sobre a "vontade de se reciclar" após um passado conturbado por álcool e drogas, que iam de cocaína a tranquilizantes. Suas confusões eram self-service de notícias para a mídia. Sobretudo as brigas com a ex-mulher Vera Fischer, 61, com quem disputou e ganhou a guarda do filho Gabriel, hoje com 20 anos e estudando cinema na PUC.
Era chamado de James Dean na adolescência "meio da pá virada". Foi criado entre Copacabana e Ipanema, com quatro irmãos e pais divorciados. Antes dos 20, virou assalariado da estatal Furnas e cursou economia numa faculdade particular. Jogou tudo para o alto quando percebeu que sua onda era atuar.
Destacou-se como o personagem Gato numa montagem de "Capitães da Areia". E, de repente, "pá, pá, pá, tava bombando na Globo". "Entrei de forma abrupta", afirma gesticulando -quase derruba sua xícara de café vazia.
"Ninguém entrou na TV como eu entrei fazendo trabalhos de peso, no horário nobre", diz. "Antes era duro pra cacete, fazia só teatro. Aí comecei a ganhar dinheiro, e isso é ótimo. Tinha carro, aluguei um puta apê, e muita gente grudando porque você está na crista da onda."
Saiu da Globo durante a novela "Pátria Minha" (1994), em que atuou com Vera. Depois de barracos públicos envolvendo os atores, seus personagens foram mortos num incêndio no meio da trama.
Felipe diz estar "limpo" há 16 anos, longe de bebidas e drogas. Ainda frequenta reuniões de Narcóticos e Alcoólicos Anônimos. "Na época, bebia tudo, tudo, tudo. Uísque, vodca... Gostava mesmo de uma cerveja, mas gostava com outras milongas a mais."
"Tem diferença em quem vai num bar e toma dois, três chopes -e quem toma 20. E eu, depois de começar, não parava mais. Era assim quase todo dia. Adorava ficar bêbado. Ficar doidão não é uma delícia? É uma delícia, tô falando. Se soubesse ficar doidão e falar 'chega', tava bom."
Felipe era criança quando tomou o primeiro gole. "Provei Alexander [drinque à base de licor de cacau] num almoço de Natal. Meu avô fazia e me deu na maior inocência. Se soubesse...", diz, rindo.
"Tem uma doença que faz algumas pessoas perderem o controle. E elas são determinadas como 'muito loooooucas', sabe? Estigmas que a própria sociedade cria".
Discorre enquanto fuma -o cigarro é um vício que persiste. Por uns tempos, tentou adotar a cigarrilha de baunilha. Neste ano, voltou a consumir quase um maço de Marlboro todo dia. Decidiu que geração saúde, para ele, tem limite. "A pior coisa para o ser humano é o estresse. Virei uma pessoa insuportável [sem cigarro]." Falei, 'pô, vou acabar ficando doente, vou adoecer minha família.'"
Felipe crê que o discurso sobre ele também precisa se reciclar. "O que me incomoda é fazer uma entrevista enorme e o foco ser só esse. Parece que foi ontem. Não! Muita água rolou." Calcula que "só 20% do que saiu [na imprensa] tinha fundo de verdade". Como quando, após um aniversário do ator Guilherme Leme, Vera foi atropelada por um táxi. "Deram que foi porque a gente brigou." Ela também desmente.
Hoje, a relação dos dois é "tranquila". "Não é minha amiga, mas também não é inimiga. Foi minha mulher, mulher que eu amei pra caramba. Respeito, torço por ela."
Nem sempre foi assim. Em 1994, ela teria cortado o ex-marido com vidro após ele quebrar seu braço numa briga. "Quantos relacionamentos não tiveram momentos de violência entre as partes? Porque parecia que eu era um carrasco, né? Na boa, isso eu sei que foi a imprensa que criou. E eu também não saía por aí falando [faz voz de choro] 'ahhh, a Vera me bateu."
Num jantar de amigos, conheceu sua nova mulher, a fisioterapeuta Malu, uma loira esbelta e mãe do segundo filho, Antônio, de quase dois anos. Moram todos, mais o filho Gabriel, na Barra da Tijuca, vizinhos de Cássia Kiss.
Malu descobriu a gravidez pouco antes de ele viajar para filmar "Xingu". O colega Caio Blat tinha acabado de virar pai -do set no Norte, ficavam os dois falando com as mulheres por Skype. Isso os aproximou. "O Felipe é um sobrevivente. O rosto dele é todo marcado por sua história. Para um ator, é a melhor coisa. Ele está num grande momento", afirma Caio.
Foi Fernando Meirelles quem o levou de volta à Globo, para a minissérie "Som e Fúria", em 2009. Não vivia um protagonista no canal há 17 anos. No ostracismo, tinha passagem comprada para tentar a sorte em Los Angeles. Até receber um telefonema do diretor. De cara, achou que era trote. "Até perguntei quantos [atores testou] antes de mim. Você se acostuma: 'Sou o rejeitado, a sobra.'"
Era a primeira escolha do diretor, que o tinha visto no filme "Jogo Subterrâneo" (2005) e na série da HBO "Filhos do Carnaval" (2006).
"Falando sinceramente, teve uma época em que eu voltei à TV e ficava, 'meu Deus, tenho que fazer um protagonista'. Mas isso é muito relativo." Estará no elenco da próxima novela das sete, "Sangue Bom". Vai viver "um pintor que falsifica obras e é dominado pela mulher".
Católico de formação e simpatizante do kardecismo, não acha sua vida "um mar de rosas, mas é muito melhor do que era antes". "De vez em quando, caramba, queria chutar o balde. Claro que passa pela minha cabeça. Mas pra mim pode ser sem volta. Agora lido com as minhas dores de uma forma muito mais real", diz no fim de tarde, com o café do teatro fechando.
O papo vai chegando ao fim com Felipe Camargo em pé, na calçada. Ele olha para a rua: "Adoro um meio-fio".
"Hoje vejo muito mais respeito, admiração [comigo]. Claro que tem pessoas ignorantes que falam 'ah, olha o marido da Vera! Ih, aquele cara doidão!' A pessoa tá com um 'delay' de 16 anos"
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